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Juiz manda soltar homem acusado de tentar roubar R$ 7; Veja decisão,2

Segunda-feira, 13 Julho de 2009 - 14:27 | TJ-RO


Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia


Autos 012.2009.001984-5
Vara Criminal
Autos 012.2009.001984-5
Flagranteado: ROMÁRIO RODRIGUES SILVA


Vistos etc.

ROMÁRIO RODRIGUES SILVA foi preso em flagrante delito pela suposta prática de crime previsto no artigo 155, caput c/c artigo 14, inciso II, do codex penal.

Consta dos autos que o flagranteado tentou furtar R$ 7,00 (sete reais), da vítima Pedro Ramiro dos Santos.

Segundo informa os autos, o acusado pediu um chiclete no bar da vítima, momento em que pegou R$ 7,00 (sete reais) do caixa da vítima. A vítima percebeu o fato e o flagranteado ficou nervoso e escondeu o dinheiro embaixo da estufa de salgados. Em seguida, a vítima chamou a polícia e o flagranteado fora preso em flagrante, pela tentativa de furto de R$ 7,00 (sete reais).

Vieram os autos para homologação do flagrante.

 Decido

Vejo dos autos que se trata de furto de bagatela.

Consta que o flagranteado tentou furtar a quantia de R$ 7,00 (sete reais) da vítima, sendo que a vítima percebeu e o acusado acabou escondendo o dinheiro embaixo da estufa de salgados do bar da vítima.

A moderna conceituação de crime, volta-se não só a amoldar o fato ao tipo legal (tipicidade formal), mas também que tal fato seja materialmente típico (tipicidade material). Assim, não basta que o fato se amolde ao verbo previsto no tipo, necessário também que a lesão seja a bens jurídicos mais relevantes à sociedade.

O princípio da insignificância é um postulado de moderna visão de aplicação do direito penal. A idéia de direito penal como ultima ratio, ou seja, só as condutas mais relevantes e que possam causar dano relevante, é a afirmação no direito penal pátrio, reconhecida pela jurisprudência, em especial pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, da teoria defendida pelo penalista alemão Clauss Roxin, principal expoente no estudo da tipicidade material, cujo fundamento é no sentido de que para haver crime, a conduta deve atingir bens jurídicos mais relevantes. Nesse sentido:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO. 1. O princípio da insignificância deve ser aplicado de forma criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. O paciente tentou subtrair de um supermercado mercadorias de valores inexpressivos. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado ou à integridade da ordem social. Ordem deferida.” (HC 92744 / RS – Raletor Min. Eros Grau – Julgto. 13/05/2008 – 2ª. Turma)

Tal postulado, também vem sendo aplicado em reiterados julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, verbis:

“Furto (tentado). Coisa furtada (pequeno valor). Princípio da insignificância (adoção). 1. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas – coisas quase sem préstimo ou valor. 2. Antes, falou-se, a propósito, do princípio da adequação social; hoje, fala-se, a propósito, do princípio da insignificância. Já foi escrito: "Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se.3.É insignificante, dúvida não há, a lesão ao patrimônio de um supermercado de corrente da subtração de dois litros de leite, uma cartela de quatro pilhas pequenas e dois anti-sépticos. 4. A insignificância, é claro, mexe com a tipicidade, donde a conclusão de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem crime. 5. Habeas corpus deferido.” (HC 39599MG – Relator Min. Nilson Naves – julgto. 21/5/05 – Sexta Turma)

1.  Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):



“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

No caso em tela, verifico dos autos que o flagranteado tentou subtrair a quantia de R$ 7,00 (sete reais), sendo que a vítima percebeu e logo em seguida, o acusado acabou escondendo o dinheiro no próprio bar da vítima, embaixo da estufa de salgados.

Entendo que o caso em tela se apresenta como furto de bagatela, não merecendo movimentar toda a máquina estatal, para se apurar um furto de R$ 7,00.

O valor objeto da tentativa de furto,   representa menos de 3% do salário mínimo vigente neste país.

Além disso, percebe-se que a vítima nenhum prejuízo teve, vez que o dinheiro sequer fora subtraído, pois o dinheiro ficou no bar da vítima, embaixo da estufa de salgados.

Em caso análogo, decidiu o Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul, verbis:


“PRISÃO EM FLAGRANTE RELAXADA POR ATIPICIDADE DO FATO. FURTO DE BAGATELA (UM PACOTE DE ELMA CHIPS, UM LITRO DE LEITE E 7 REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS EM MOEDAS) ARQUIVAMENTO DO FEITO. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPIOS FUNDAMENTOS”.

Observo que o flagranteado já ostenta condenação por crime de furto. Ocorre que os antecedentes não são óbice ao reconhecimento do princípio da insignificância, é preciso que o magistrado decida de acordo com o caso concreto, levando em consideração o valor do bem, o prejuízo para a vítima, a lesividade social da conduta.

Em direito penal, que é ultima ratio, a punição deve guardar correlação com o valor da conduta e da lesão sofrida pelo ofendido, a qual, na hipótese, nem mesmo chegou a ocorrer.

As circunstâncias como a reincidência e maus antecedentes do flagranteado, não podem impedir o reconhecimento do princípio da insignificância, pois tal princípio está ligado ao bem jurídico tutelado e ao tipo de injusto, além de não ter o Estado, quando está a lidar com crimes graves, violentos, qualquer interesse jurídico-penal em punir fatos irrelevantes que até mesmo deveriam ficar fora do Direito Penal, pelo comando do princípio da subsidiaridade que guia este ramo do Direito.

O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância, mesmo aos flagranteados com antecedentes. Nesse sentido:

“Ementa PENAL - HABEAS CORPUS - FURTO DE UM BONÉ – VALOR DE R$ 50,00 – OBJETO RESTITUÍDO À VÍTIMA - REINCIDÊNCIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DA REINCIDÊNCIA E DOS MAUS ANTECEDENTES. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA – ORDEM CONCEDIDA PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência afasta a fixação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Maus antecedentes e reincidência não impedem a aplicação do princípio da bagatela. 4- Ordem concedida para absolver o paciente pelo reconhecimento da atipicidade de sua conduta. Expedido alvará de soltura, salvo prisão por outro motivo.” HC 96929 / MS HABEAS CORPUS 2007/0300036-8 Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 08/04/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 25/08/2008

No mesmo sentido:


PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância é imprescindível à distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica, eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. III - No caso concreto, o valor da res furtiva equivale a uma esmola, configurando, portanto, um delito de bagatela. IV - Circunstâncias de caráter eminentemente pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não interferem no reconhecimento do princípio da insignificância. Recurso especial desprovido( Resp. 827.960 DJ. 18.12.2006, p. 497).

Saliento que a conduta do flagranteado não teve repercussão social negativa, pois além do furto ser de bagatela, nenhum prejuízo trouxe à vítima.

Nos tempos atuais a criminalidade mostra-se de elevado potencial, não sendo justo que o mero furto de R$ 7,00, que foi restituído à vítima, possa levar um homem, não obstante ser reincidente, ao cumprimento da pena e, acaso condenado, ainda no regime semi-aberto.

Assim, reconhecendo a atipicidade da conduta, em face do princípio da insignificância, relaxo a prisão em flagrante de ROMÁRIO RODRIGUES SILVA.


Determino seja expedido alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.

Ciência ao parquet.

Colorado do Oeste, 10 de julho de 2009.


ELI DA COSTA JÚNIOR

JUIZ SUBSTITUTO

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