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Política

A ÍNTEGRA DA SESSÃO QUE CONFIRMOU A PRIMEIRA AÇÃO PENAL CONTRA VALTER ARAÚJO E SEU BANDO

Quarta-feira, 01 Fevereiro de 2012 - 14:47 | RONDONIAGORA


Confira a seguir a íntegra dos debates ocorridos no último dia 16 de janeiro, quando o pleno do Tribunal de Justiça de Rondônia acatou a primeira de uma série de ações propostas pelo Ministério Público contra o foragido Valter Araújo e seu bando, desmantelado a partir da Operação Termópilas. Nesse caso, Valter Araújo, e mais nove investigados foram denunciados por formação de quadrilha em organização criminosa. Ele também vai responder por falsidade ideológica contra a empresa Romar. Confira:


Indiciado : Valter Araújo Gonçalves
Indiciante : Ministério Público do Estado de Rondônia
Indiciado : Valter Araújo Gonçalves
Advogados : Juacy dos Santos Loura Júnior (OAB/RO 656 - A),
Thiago de Souza Gomes Ferreira (OAB/RO 4.412),
Manoel Veríssimo Ferreira Neto (OAB/RO 3.766),
Nelson Canedo Motta (OAB/RO 2.721),
Otávio Cesar Saraiva Leão Viana (OAB/RO 4.489),
José Antônio Duarte Álvares (OAB/MT 3.432),
Luciano Salles Chiappa (OAB/MT 11.883 - B) e
Marcelo Silva Moura (OAB/MT 12.307)
Indiciado : Rafael Santos Costa
Advogados : José Viana Alves (OAB/RO 2.555),
Maracélia Lima de Oliveira (OAB/RO 2.549),
Érica Caroline Ferreira Vairich (OAB/RO 3.893) e
Nayara Simeas Pereira Rodrigues Martins (OAB/RO 1.692)
Indiciado : Ederson Souza Bonfá
Advogados : Joselia Valentim da Silva (OAB/RO 198) e
Gilson Luiz Jucá Rios (OAB/RO 178)
Indiciado : Julio César Fernandes Martins Bonache
Advogados : Douglas Tadeu Chiquetti (OAB/RO 3.946) e
Oswaldo Pascoal Júnior (OAB/RO 3.426)
Indiciado : José Miguel Saud Morheb
Advogados : Romilton Marinho Vieira (OAB/RO 633),
José Alves Pereira Filho (OAB/RO 647),
Luiz Fernando Coutinho da Rocha (OAB/RO 307 - B),
Tuanny Iaponira Pereira Braga (OAB/RO 2.820) e
Pitágoras Custódio Marinho (OAB/RO 4.700)
Indiciado : José Batista da Silva
Advogado : Francisco Alves Pinheiro Filho (OAB/RO 568)
Indiciado : Esmeraldo Batista Ribeiro
Advogados : Paulo Francisco de Matos (OAB/RO 1.688),
Paulo Timóteo Batista (OAB/RO 2.437) e
Douglas Ricardo Aranha da Silva (OAB/RO 1.779)
Indiciado : José Milton de Sousa Brilhante
Advogados : José D-Assunção dos Santos (OAB/RO 1.226) e
Fátima Luciana Carvalho dos Santos (OAB/RO 4.799)
Indiciado : Rômulo da Silva Lopes
Advogado : José de Almeida Júnior (OAB/RO 1.370) e
Carlos Eduardo Rocha Almeida (OAB/RO 3.593)
Indiciada : Regineusa Maria Rocha de Souza
Def. Púb : Dayan Saraiva de Albuquerque
Relator : Desembargador Sansão Saldanha

Relator : Desembargador Sansão Saldanha

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Rondônia oferece denúncia em desfavor de Valter Araújo Gonçalves, Rafael Santos Costa, Ederson Souza Bonfá, Julio César Fernandes Martins Bonache, José Miguel Saud Morheb, José Batista da Silva, Esmeraldo Batista Ribeiro, José Milton de Sousa Brilhante, Rômulo da Silva Lopes e Regineusa Maria Rocha de Souza, como incursos nas penas previstas no art. 288, caput, c/c art. 7º, parte final, e demais dispositivos da Lei n. 9.034/95; incidindo também em relação ao denunciado Valter Araújo Gonçalves o art. 62, I, do CP.

Segundo consta da denúncia, no decorrer dos anos de 2010 e 2011, os denunciados associaram-se de forma estável, intensa e efetiva, em quadrilha, no estilo de organização criminosa, com o fim de cometer crimes, notadamente contra a Administração Pública, tendo o deputado estadual Valter Araújo Gonçalves a concepção e a liderança da quadrilha.

A presente denúncia foi oferecida em 28/11/2011, sendo atribuído ao feito o rito previsto na Lei n. 8.038/90, considerando que figura no polo passivo da ação parlamentar com prerrogativa de foro neste Tribunal de Justiça o deputado estadual Valter Araújo Gonçalves.

Os indiciados foram notificados (fls. 271/272v) e, com exceção da denunciada Regineusa Maria Rocha de Souza, ofereceram resposta, na forma do que prevê o art. 4º da Lei n. 8.038/90. Pretendem a rejeição da denúncia com os fundamentos a seguir expostos.

1- VALTER ARAÚJO GONÇALVES alega que:

- não teve tempo hábil para a análise de todas as provas colhidas pela Polícia Federal, já que só em 14 de dezembro 2011 foi fornecida cópia do procedimento inicial, autuado sob o n. 0003098-24.2011.8.22.0000, que contém 3.564 laudas, sendo que anteriormente era fornecida vista dos autos no gabinete do relator, em afronta ao enunciado da Súmula Vinculante n 14 e ao princípio do contraditório e da ampla defesa, por isso pede a renovação do prazo para a apresentação da defesa prévia, sob pena de cerceamento de defesa;

- não é possível a aplicação da Lei n. 9.034/95, porque o direito nacional não possui conceituação jurídica sobre o mencionado tema, sendo impossível acusar alguém de participar de organização criminosa, considerando o princípio constitucional da reserva legal ou da legalidade;

- são nulas as provas obtidas por escutas ambientais, porque, sem lei que defina organização criminosa, é impossível a incidência de qualquer medida restritiva dos direitos e liberdades individuais;

- devem ser desconsideradas as interceptações ambientais, porque a Constituição Federal somente admite a interceptação telefônica;

- quanto à acusação da prática de crime de formação de quadrilha, não há prova material do alegado na denúncia, há apenas simples afirmações;

- a menção pelos outros denunciados de seu nome não pode servir de base para o oferecimento de denúncia;

- não há que se falar em organização criminosa, porque ausente a demonstração dos demais delitos.

Junta documentos, fls. 425/736, como contrato social da Empresa Romar e notas fiscais, demonstrativos bancários da empresa Romar.

2 - RAFAEL SANTOS COSTA alega que:

- os autos devem ser desmembrados, nos termos do art. 80 do CPP, e remetidos ao juízo de 1º grau, considerando o princípio do juiz natural, porque não possui prerrogativa de função;

- ilegalidade no inquérito, ante a afronta ao art. 144, §1º, I, II e IV, da CF, porque a Polícia Federal não possui atribuição para atuar nas investigações.

3 - ÉDERSON SOUZA BONFÁ alega que:

- não há ilicitude na sua conduta;

- inexistem os elementos caracterizadores do crime de formação de quadrilha.

- embora esteja sendo denunciado por quadrilha, só tinha contato com dois acusados, sendo necessárias, para a configuração do delito em tela, pelo menos quatro pessoas; é sócio e representante da empresa ROMAR, por isso intervinha perante os órgãos para a defesa dos interesses da pessoa jurídica referida, não havendo ilicitude em sua conduta nos órgãos do Poder Executivo do Estado.

Junta documentos, fls. 360/396, com declaração da Assembleia de que não é funcionário do referido órgão e contrato social da ROMAR.

4 - JÚLIO CÉSAR FERNANDES MARTINS BONACHE alega que:

- o Ministério Público partiu de simples presunção de autoria dos delitos sem apresentar a descrição de qualquer conduta ou comportamento passível de caracterizar a prática dos atos criminosos. Falta, portanto, justa causa à ação penal, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 41 do CPP;

- em razão do atraso no pagamento pelos serviços prestados, efetuava pagamento de propinas para o denunciado Rafael Santos Costa, não havendo que se falar em formação de quadrilha;

- não era membro da quadrilha, mas vítima, estava sendo extorquido pelo bando;

- inexiste comprovação do dolo nas supostas condutas criminosas, não há provas de que estaria pagando propina somente para ser beneficiado pelas facilidades da quadrilha.

5 - JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB alega que:

- foi vítima de extorsão pelo presidente da Assembleia Legislativa, que lhe pressionou para que fosse repassado parte do comando de suas empresas ou realizasse pagamento de valores, sob pena de perder seus contratos com o Poder Executivo;

- não teve conduta positiva consistente em associar-se com pessoas para a prática de crimes;

- as supostas ligações com Éderson Souza Bonfá, José Batista da Silva, Esmeraldo Batista Ribeiro, Rômulo da Silva Lopes e Regineusa Maria Rocha de Souza não tinham o caráter de associação, tampouco de permanência, o que exclui o crime capitulado na denúncia;

- não há vínculo duradouro e permanente com mais de três dos denunciados.

6 - JOSÉ BATISTA DA SILVA alega que:

- a denúncia é inepta, porque não demonstrada a existência do vínculo entre os demais denunciados e a suposta empreitada criminosa;

- dos fatos narrados, não há a configuração do tipo penal de formação de quadrilha;

- não está configurado o crime de formação de quadrilha, pois apenas manteve contato com o deputado estadual Valter Araújo, não tendo qualquer responsabilidade em relação aos supostos crimes praticados em quadrilha, tampouco relação com os demais denunciados.

7 - ESMERALDO BATISTA RIBEIRO alega que:

- o Tribunal de Justiça não é competente para processá-lo e julgá-lo, mas o juiz de umas das varas criminais, sendo impossível a aplicação da conexão entre as supostas condutas, ante a ausência dos requisitos do art. 76 do CPP;

- há falta de justa causa para o recebimento da denúncia, porque, dos fatos narrados, não é possível concluir pela prática do crime de quadrilha. Sua conduta não se amolda ao tipo penal previsto no art. 288 do CP.

Junta documentos, fls. 305/318, como documento pessoal, antecedentes, declaração de lotação de presos, laudos médicos.

8 - JOSÉ MILTON DE SOUSA BRILHANTE alega que:

- a conduta descrita na denúncia não caracteriza o crime de quadrilha, pois as conversas telefônicas monitoradas demonstram contatos isolados com os membros da suposta quadrilha, não conhece o deputado Valter Araújo, e a agilização de processo era a sua função pública.

9 - RÔMULO DA SILVA LOPES alega que:

- não há prova da materialidade delitiva;

- nos autos inexiste indício da conduta volitiva do acusado, tampouco comprovação do dolo;

- é inepta a inicial, sob o fundamento de que carece dos requisitos essenciais para a sua propositura e natural recebimento, a denúncia não individualiza as condutas, não situa os fatos às datas e aos locais dos supostos delitos.

José Miguel Saud Morheb, no dia 11 de janeiro do corrente, apresentou petição, arguindo preliminar de incompetência desta corte, sob o fundamento de que não possui prerrogativa de foro.

O Ministério Público manifestou-se quanto aos documentos juntados pelos denunciados Esmeraldo Batista Ribeiro, fls. 305/318, Éderson Souza Bonfá, fls. 360/396, e Valter Araújo Gonçalves, fls. 425/736.

É o relatório.

VOTO

DESEMBARGADOR SANSÃO SALDANHA

Primeiro, cumpre esclarecer que o Ministério Público do Estado de Rondônia seguiu a orientação do STJ de cindir as ações penais. Realizou o desmembramento das denúncias, objetivando agilizar os julgamentos e a efetividade da ação penal. As provas foram produzidas nos autos do Inquérito n. 0003098-24.2011.8.22.0000, as quais consistem em monitoramentos telefônico e ambiental, busca e apreensões e depoimentos dos próprios investigados e testemunhas. Com esses elementos probatórios, o Ministério Público está oferecendo as denúncias.

Nesta oportunidade, será apreciado o recebimento da denúncia pela prática do crime de formação de quadrilha, no estilo de organização criminosa. Serão examinados os requisitos de admissibilidade da inicial acusatória pertinentes à justa causa para instauração da ação penal, quais sejam, possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de partes.

A possibilidade jurídica do pedido, quanto a seus aspectos penais, diz respeito à narrativa de um fato descrito como crime no ordenamento vigente. O interesse de agir refere-se à necessidade e utilidade da ação penal, visto que, existindo uma das causas extintivas da punibilidade, a inicial deverá ser rejeitada.

Eventuais questões de mérito trazidas nas defesas preliminares deverão ser analisadas no curso da ação penal.

Alegação geral e corriqueira percebida é sobre a atribuição da Polícia Federal proceder às investigações. Isso porque, o interesse em questão é estadual.

Como é de conhecimento nos autos, iniciou-se, no âmbito da Justiça Federal, a investigação pela Polícia Federal, para apuração de possíveis desvios de recursos públicos neste Estado, provenientes do Sistema Único de Saúde - SUS. No transcorrer das diligências investigatórias, foram constatados indícios de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro, o deputado estadual Valter Araújo Gonçalves.

O juiz federal da 3ª Vara Criminal encaminhou a este Tribunal os elementos probatórios com indicativos de condutas ilícitas no âmbito da Administração Pública do Estado, em especial, na Secretaria de Estado de Saúde, em relação ao parlamentar.

Em virtude desse fato, o procurador-geral de justiça do Estado de Rondônia Ivanildo de Oliveira solicitou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que fosse autorizado o Departamento de Polícia Federal, Superintendência de Rondônia, que realizasse as investigações acerca dos desvios de verbas públicas, considerando a disponibilidade dos recursos tecnológicos da Polícia Federal necessários para o prosseguimento das investigações, por já ter conhecimento dos fatos apurados, e o envolvimento de político com muita influência nos demais órgãos estaduais, o que poderia comprometer o sigilo da apuração.

Constatam-se nos autos o Ofício n. 0297/2011/GAB-PGJ, de 14 de abril de 2011, fls. 26, Autos n. 0003098.24.2011.8.22.0000, solicitando os préstimos e a autorização, e, na própria face desse ofício, o despacho deferindo a autorização para as investigações.

Foram deferidas, daí em diante, na Justiça local, interceptações telefônica e ambiental, bem assim medidas cautelares de busca e apreensão. Os monitoramentos e os documentos apreendidos apontaram a ocorrência de crimes contra a Administração Pública, gerando a apresentação,inclusive, de várias denúncias.

Esses procedimentos investigatórios é o que embasa a denúncia nestes autos e agora está sob a análise desta Corte.

Diante de toda a situação que envolve o caso, percebe-se que não ocorreu usurpação das atribuições da Polícia Civil por parte da Polícia Federal, considerando que os delitos em apuração têm como suspeitos pessoas do alto escalão da Administração do Estado, que poderiam facilmente opor obstáculos ao desenrolar dos trabalhos ou impedir que fossem desenvolvidos com isenção.

Em administração anterior, o Ministério Público viu frustrada a tentativa de investigar o referido órgão.

Ademais, sabe-se que cabe à Polícia Federal, além da prerrogativa, ratione personae, apurar as infrações penais que dizem respeito aos interesses da União, de suas autarquias e empresas públicas, competindo-lhe investigar as ações ocorridas contra a ordem política e social do Estado (art. 144, § 1º, I, CF), e tudo que ameace o equilíbrio da Federação brasileira.

Os fatos envolvendo o parlamentar e servidores públicos indicam a ocorrência de possíveis crimes contra a Administração Pública, que reflexamente atingiram a ordem política da Federação, uma vez que apontam um forte esquema de corrupção dentro de um dos estados-membro, afetando diretamente os princípios do Estado democrático de Direito.

Ainda, ressalte-se que a Lei n. 10.446/02, que dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no art. 144, § 1º, I, da CF, determina que "o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo ministro de Estado da Justiça" (art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 10.446/02).

Assim se justificam aos espíritos atormentados quanto a esse ponto, isso que pertenceria aos domínios de ofensa ao princípio do devido processo legal. Também não ocorreria tal mácula, primeiro, porque ainda não foi estabelecida a relação jurídico-processual. Trata-se do inquérito, procedimento inquisitivo, em que não se aplica o contraditório. Segundo, porque não foi encontrado sinal algum de prejuízo aos acusados.

Sem usurpação de atribuições, sem vício que macule o inquérito policial.

Antes da análise quanto ao preenchimento dos requisitos para o avaliar a legitimidade desta denúncia, serão apreciadas as questões de ordem e preliminares arguidas nas respostas e nas sustentações orais.

QUESTÕES DE ORDEM

SOBRE A INTEMPESTIVIDADE DAS RESPOSTAS APRESENTADAS PELAS DEFESAS DE RAFAEL SANTOS COSTA E JÚLIo CÉSAR FERNANDES MARTINS BONACHE

Os denunciados Rafael Santos Costa e Júlio César Fernandes Martins Bonache apresentaram defesa preliminar fora do prazo legal de quinze dias, previsto no art. 4º da Lei n. 8.038/90. Foram notificados, respectivamente, no dia 06/12/2011 e 05/12/2011, mas só apresentaram resposta em 23/12/2011 e 26/12/2011, respectivamente.

O prazo para o oferecimento da defesa preliminar foi comum e não foi suspenso, pois os denunciados JOSÉ BATISTA DA SILVA, ÉDERSON SOUZA BONFÁ, ESMERALDO BATISTA RIBEIRO, JOSÉ MILTON DE SOUSA BRILHANTE e RÔMULO DA SILVA LOPES estão presos. Considerando o princípio do contraditório e da ampla defesa, foi disponibilizada no Departamento Judiciário Pleno cópia digitalizada destes autos e dos Autos n. 0003098-24.2011.8.22.0000, além do livre acesso ao processo.

As respostas apresentadas por Rafael Santos Costa e Júlio Cesar Fernandes Martins Bonache não devem nem serão recebidas e apreciadas, porque apresentadas extemporaneamente. Cabe ao juiz zelar pelo cumprimento dos comandos legais, no caso, o prazo para a apresentação de peça processual, em especial o prazo disposto no art. 4º da Lei n. 8.038/90.

Regineusa Maria Rocha de Souza não apresentou defesa, mesmo tendo sido devidamente notificada e encontrando-se defendendo em plena liberdade, o que não constitui óbice para a análise da denúncia e eventual recebimento. A resposta à denúncia é peça processual de oferecimento facultativo e, não sendo apresentada ou estando fora do prazo legal, não é causa de nulidade absoluta. Não gera prejuízo nem ofende ao princípio constitucional do devido processo legal, já que a defesa preliminar é apenas um átimo de juízo de valor a cargo do julgador quanto à legitimidade da peça referida. O verdadeiro marco inicial da ação penal virá com a citação, até posterior ao recebimento da denúncia. Daí em diante, os denunciados continuarão tendo resguardados os direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Terão, inclusive, se eventualmente recebida a denúncia, oportunidade de apresentar defesa prévia (art. 8º da Lei n. 8.038/90).

Ademais, o não oferecimento de defesa preliminar não é caso de nulidade do processo, pois a parte não poderá arguir nulidade a que haja dado causa, conforme dispõe o art. 565 do CPP. Tampouco se reconhecerá nulidade sem a identificação e reconhecimento de algum prejuízo.

Por fim, acrescente-se que a Defensoria Pública do Estado de Rondônia, em respeito ao princípio da ampla defesa, foi intimada para patrocinar a defesa da denunciada, com a sustentação oral (§1º do art. 6º da Lei n. 8.038/90).

Assim, não considero a resposta apresentada intempestivamente por Júlio Cesar Fernandes Martins Bonache e Rafael Santos Costa, e, com relação a Regineusa Maria Rocha de Souza, dou prosseguimento à análise da denúncia, porque não se vê prejuízo algum.

SOBRE A REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Os denunciados José Batista da Silva e Esmeraldo Batista Ribeiro, por meio de seus advogados, pediram a revogação da prisão preventiva.

A revogação da prisão preventiva não deve ser analisada agora, porque não se trata este procedimento do meio adequado para insurgência. Deve ser apresentada a medida processual disponível e apropriada para impugnar o decreto de prisão.

Assim, não conheço do pedido de revogação preventiva.

SOBRE a REUNIÃO DOS PROCESSOS E SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO da DENÚNCIA

Pede a defesa de Valter Araújo Gonçalves, na sustentação oral, a reunião dos processos e a suspensão destes. O que não cabível.

Para viabilizar a persecução penal, garantindo a agilização dos julgamentos e a efetividade da ação penal, devem os processos permanecer desmembrados.

O método adotado pelo Ministério Público do Estado de Rondônia de cindir as denúncias está de acordo com a orientação do STJ.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, vem decidindo atualmente que, nas hipóteses em que o número de acusados que não têm foro por prerrogativa de função é maioria ou excessivo e quando real o risco da verificação da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação a vários dos crimes narrados na peça inicial, o desmembramento do feito, nos termos do art. 80 do CPP, é medida que busca, em verdade, garantir a celeridade e razoável duração do processo, além de tornar exequível a própria instrução criminal de modo a viabilizar a persecutio criminis in indicio, preservando a observância da ampla defesa e do princípio do juiz natural (QO na AP n. 514-PR).

Os precedentes dos tribunais superiores apontam várias razões idôneas para justificar o desmembramento do processo, entre as quais, conforme já mencionado, o número excessivo de acusados que não têm foro por prerrogativa de função no Tribunal, a complexidade dos fatos apurados, bem assim a necessidade de tramitação mais célere do processo, em razão da potencial ocorrência de prescrição. Nesse sentido é o julgado: STJ. Corte Especial. QO na APn 425 / ES. QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL 2005/0112673-8. Min.Teori Albino Zavascki. Dj 18/05/2011. Dje 03/06/2011.

Ainda que se reconheça a possibilidade de existência de conexão (CPP, art.76) e continência (CPP, art.77) com estes autos, a reunião será contrária à própria conveniência da instrução e racionalização dos trabalhos, bem assim da observância da garantia da razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, CF).

Segundo informações do Ministério Público do Estado, serão oferecidas em torno de 60 denúncias, cada uma com no mínimo 6 denunciados, sendo que para cada denunciado serão arroladas cerca de 3 testemunhas, o que poderá incorrer em prescrição da pretensão punitiva, a exemplo do crime de advocacia administrativa (art. 321 CP).

Diante do exposto, rejeito a reunião dos processos solicitada e, consequentemente, a suspensão do recebimento da denúncia.

DESEMBARGADOR ROWILSON TEIXEIRA

Vou divergir, temos que conhecer do pedido de habeas corpus. Há alguém pedindo socorro. Em razão disso, estou votando pelo conhecimento da denúncia.

DESEMBARGADOR EURICO MONTENEGRO

Presidente, com o devido respeito aos que pensam em contrário, não me parece que essa seja a oportunidade própria para que se discuta pedidos novos quanto à liberdade dos acusados, o que estamos decidindo, neste momento, é o recebimento ou não da denúncia, os habeas corpus e pedidos de liberdade provisória devem ser feito oportunamente, mesmo que quiséssemos não poderíamos fazer isso, até porque quanto à prisão, tais foram feitos ao relator, que os indeferiu, e as partes foram ao Superior Tribunal de Justiça.

Então, estou com o desembargador Sansão Saldanha no sentido de apreciar agora o recebimento ou não da denúncia, isso, entretanto, não prejudicará o direito de os acusados, no futuro, recorrerem a este plenário de decisões monocráticas do relator.

Com estas considerações, acompanho o relator.

JUÍZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRES

Presidente, a minha colocação é no sentido de que primeiro deve ser analisado o recebimento da denúncia, o que ainda não foi feito, pois, eventualmente, não sendo recebida a denúncia, a questão fica, inclusive, prejudicada; sendo necessário o submetimento ao final, e não ao início.

Voto pelo conhecimento da questão de ordem.

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

Presidente, também voto pelo conhecimento, mas após a análise do recebimento da denúncia.

DESEMBARGADOR SANSÃO SALDANHA

Senhor presidente, como vamos decidir uma questão de ordem que se opõe aqui e agora, neste momento, depois, muito depois da questão já decidida quer pelo relator, quer pelos tribunais superiores? Estaríamos apreciando o quê? Um agravo regimental, um habeas corpus? No caso de habeas corpus, nem mesmo esta Corte é competente, se o ato atacado é do desembargador-relator; e agravo regimental tem o prazo de um decêndio, do qual o interessado já decaiu há muito tempo.

DESEMBARGADOR RENATO MIMESSI

Estaríamos, inclusive, mudando a competência natural de apreciação do pedido de relaxamento de flagrante e outras medidas. Estaríamos trazendo, assumindo pelo Tribunal Pleno, matéria que o relator deveria estar apreciando.

DESEMBARGADOR SANSÃO SALDANHA

Então, a sugestão, data vênia, da juíza Sandra Silvestre e da desembargadora Ivanira Feitosa, a meu ver, está fora do procedimento apropriado para o momento: agora, a questão é de apreciação da denúncia. Ou se decide agora, conhecendo, e então passa-se a examinar a questão de ordem, ou não se conhece da questão de ordem. Não cabe ir direto a julgar o pedido do requerente.

Os demais pares acompanham o voto do relator.

SOBRE A APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 122 do STJ

Argumenta a defesa a aplicação da Súmula n. 122 do STJ, que dispõe:

Compete a justiça federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, ii, "a", do Código de Processo Penal.

Não prospera a aplicação da Súmula n. 122 do STJ. A competência para a análise das denúncias relacionadas com a investigação de desvios de recursos públicos no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde é da Justiça estadual, pois não se trata de desvios de recursos do Sistema Único de Saúde - SUS. Diz respeito à verba pública deste Estado.

Além do mais, destaca-se que é da Justiça estadual a competência para processar desvios de verba transferida e incorporada ao patrimônio do ente estatal respectivo.

Assim, rejeito a aplicação da Súmula n. 122 do STJ e reconheço a competência da Justiça estadual para julgar os processos relacionados ao grupo criminoso que se instalou na Secretaria de Estado de Saúde.

Arguí na tribuna a súmula 122 na defesa preliminar, inclusive, aportei memoriais a todos os desembargadores, aos pares, a respeito da origem dos recursos, por tratar-se de crimes conexos. Não sei se passou despercebido, mas não vi decisão neste sentido de acatamento ou não; porque coloquei na tribuna que os recursos que a quadrilha estava delapidando se originavam do SUS e do fundo único federal.

ADVOGADO FRANCISCO ALVES PINHEIRO FILHO - OAB/RO 568

Indago ao douto relator se ele analisou essa matéria da Súmula 122,quanto à competência desta Corte ou se da Justiça Federal.

DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA

Sim, foi analisada em preliminar ou questão de ordem, acredito que Vossa Excelência estando ausente não observou, mas é questão que já foi analisada..

DESEMBARGADOR SANSÃO SALDANHA

Senhor presidente, atendendo à arguição da defesa, é bom lembrar que somente, agora, foi levantada a questão relacionada com a Súmula 122. Há algumas menções a respeito disso em outras defesas.

Embora não tenha essa referência na defesa preliminar, mas como o advogado mencionou, por uma razão de ampla defesa, podemos resolver o requerimento. É bom anotar o seguinte, para rejeitar a questão que ele acaba de levantar, a questão da incompetência do Tribunal em razão do interesse investigado, que cairia na hipótese da Súmula 122, não deve ser levada em consideração no sentido de ser acolhida. Deve-se rejeitar, por razão muito simples, é prática, já no âmbito da jurisdição e reiteradamente as decisões dos tribunais superiores têm sido no sentido de que, quando passa a verba federal para as pessoas jurídicas - e passa para a gerência da pessoa jurídica estadual ou municipal ou de outra natureza qualquer - descaracteriza a competência da Justiça para julgar questão relacionada com esse interesse, que era Federal. O que quer dizer: o interesse passa então a ser da pessoa jurídica que recebeu os recursos, isso é sedimentado na jurisprudência; esta Corte mesma já julgou dezenas de casos.

De forma que a questão de ordem lembrada pela defesa do senhor José Batista da Silva também deve ser rejeitada.

DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA

Indago à Corte se alguém tem alguma objeção, se estão todos de acordo com o relator.

PRELIMINARES

SOBRE A DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA

O denunciado Valter Araújo Gonçalves pede a devolução do prazo para oferecimento de resposta, sob pena de configuração de cerceamento de defesa. Sustenta não ter tido acesso em tempo hábil à íntegra do Processo n. 0003098-24.2011.8.22.0000, que estava em segredo de justiça.

O argumento exposto não se justifica. Conforme afirma a defesa, fl. 401, sempre foi oportunizado ao advogado o acesso aos autos. Posteriormente, foi fornecida cópia de tudo quanto dizia respeito a inquérito, que resultou na presente denúncia, que é uma pequena parte da medida cautelar preparatória, a respeito da qual diz a defesa ter tido acesso restrito. Por outro lado, os autos aos quais se refere, por força da Lei n. 9.034/95. Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa.

Ademais, o fato de ter sido fornecida cópia digitalizada dos autos posteriormente não acarretou prejuízo à defesa. A resposta foi devidamente apresentada, sendo a denúncia impugnada. Não há demonstração alguma de prejuízo.

Assim, indefiro o pedido de prorrogação de prazo para apresentação de defesa preliminar.

JUÍZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRES

Então, o rito seria o da legislação especial. A minha observação, senhor presidente, é no seguinte sentido: embora existam posicionamentos em sentido contrário, em se dando o prosseguimento no rito especial, não se facultará a possibilidade de defesa preliminar prevista no Código de Processo Penal (com a alteração).

Ocorre que o novo Código de Processo Penal traz a defesa preliminar como peça imprescindível, uma vez que visa a assegurar a ampla defesa, que é um princípio constitucional, consequentemente, tem natureza de direito material, devendo ser, no meu entender, aplicada a legislação naquilo que couber.

Então temos duas possibilidades. Compreender essa fase da lei própria como uma defesa preliminar nos termos do Código de Processo Penal essencial e consequentemente o não oferecimento dela implicaria em nulidade - porque no Código de Processo Penal fala que mesmo citado se não apresentar a defesa no prazo, deve ser nomeada a Defensoria Pública, o que equivale ao que foi feito hoje para uma das corréus - ou não sendo este o caso de entendimento, o meu modesto aviso, recebida se for o caso a denuncia deveria ser facultado nova oportunidade uma vez que coma modificação do Código de Processo Penal o que visa atender não é só a defesa técnica mas também a autodefesa do réu e este princípio constitucional deve ser assegurado.

Mas mantendo o relator o seu posicionamento, gostaria só de registar minha divergência no sentido de que com a alteração do CPP entendo que, mesmo sendo um rito próprio, deverá observar as modificações que ali foram feitas e, consequentemente, essa defesa preliminar deixa de ser facultativa para ser obrigatória; sendo feita de forma extemporânea, por ser matéria constitucional de ampla defesa, a não observância implicaria uma atipicidade constitucional e, consequentemente, na nulidade do processo.

Fica registrada a minha divergência no sentido de que deveria ser apreciadas, mesmo de forma extemporânea, as questões que lá foram colocadas.

DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA

Relembro ao diretor para consignar que as partes foram devidamente intimadas e, que, inclusive, estiveram presente no plenário, quando da sustentação oral.

DESEMBARGADOR WALTER WALTENBERG JUNIOR

Presidente, a questão colocada pela juíza Sandra Silvestre é muito relevante e, de fato, tem razão quando diz que a questão de defesa preliminar tem natureza constitucional. É preciso que seja oportunizada ao acusado a defesa mesmo contra eventual interesse dos dois advogados constituídos.

Então, vou aderir ao posicionamento da juíza Sandra Silvestre e voto no mesmo sentido.

JUIZ JOSÉ TORRES FERREIRA

Senhor presidente, na hipótese dos autos, trata-se de apresentação de defesa prévia intempestiva, os indiciados constituíram advogado que apresentaram defesa, mas, intempestivamente. Não vejo qual seria outra solução; se seria nomear a Defensoria Pública para fazer uma defesa ou até mesmo ratificar a que foi feita intempestivamente.

Se não houvesse a defesa prévia, apresentada intempestivamente, então seria correta (o nobre relator, acredito, teria feito isso) a indicação da Defensoria para fazer essa defesa prévia, mas não é o caso.

Por outro lado, caso recebida a denúncia pelo procedimento do processo que tramita neste Tribunal, há toda uma possibilidade de apresentação de defesa preliminar, de forma que não há nenhum prejuízo para os indiciados na continuidade do processo sem análise dessas defesas prévias intempestivas.

Então, acompanho o voto do relator.

DESEMBARGADOR EURICO MONTENEGRO

A meu sentir, o que a juíza Sandra Silvestre falou é que com a reforma do Código de Processo Penal mais favorável à defesa, deve ser aplicado esse, e não a Lei 8038.

Como o eminente relator admitiu a hipótese, caso seja vencido neste ponto, de apreciar nesta mesma sessão a defesa tida como intempestiva, penso que não há prejuízo nenhum para a condução do feito.

Peço vênia ao eminente relator, vou acompanhar a divergência suscitada pela eminente juíza convocada Sandra Silvestre.

DESEMBARGADOR RENATO MIMESSI

Sempre muito oportuna a manifestação da juíza Sandra Silvestre, que domina bastante essa área de direito processual penal. Em outras oportunidades, essa Corte já se manifestou a respeito, inclusive, em um processo recente que envolvia um juiz de direito, e se posicionou com o entendimento de que essas modificações feitas na legislação do Código de Processo Penal não se aplicam ao rito especial das ações penais originárias, previsto para os tribunais.

Então, por esta razão, data vênia, vou acompanhar o voto do eminente relator.

DESEMBARGADORA ZELITE ANDRADE CARNEIRO

Senhor presidente, exatamente nos mesmos termos colocados pelo eminente desembargadores Renato Mimessi, em ocasiões anteriores, inclusive, na ação de número 02 da pauta, esta relatora apresentou a esta Corte - espero que se recordem - aplicando procedimento novo do Código de Processo Penal, e a Corte rejeitou inteiramente, decidindo que esta relatora deveria obedecer integralmente ao procedimento da Lei 8.038, que trata do procedimento específico para os feitos com trâmite no 2º grau de jurisdição.

Então, com todas as vênias, vou seguir esse pensamento da Corte até que me convençam, novamente, o contrário. Fui vencida, naquela oportunidade, mas estou acolhendo posicionamento da Corte, acompanhando o voto do eminente relator.

JUIZ FRANCISCO BORGES FERREIRA NETO

Senhor presidente, acompanho o voto do eminente relator levando em consideração o que os desembargadores Renato Mimessi e Zelite Andrade falaram, que é um caso em que houve discussão aqui no plenário onde se questionava se prevalecia a reforma do Código de Processo Penal ou o Rito Especial do 2º grau de jurisdição.

Então acompanho, porque, naquela ocasião, sedimentou-se o entendimento de prevalência da Lei 8.038, não havendo hoje necessidade de modificar aquilo que já foi decidido.

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

Senhor presidente, também peço vênia à divergência para acompanhar o voto do eminente relator em razão do precedente que temos envolvendo a questão, ocasião em que se decidiu na mesma linha de raciocínio do eminente relator, razão pela qual o acompanho.

SOBRE A INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR OS ACUSADOS QUE NÃO POSSUEM PRERROGATIVA DE FORO

Este Tribunal é competente para processar e julgar os acusados desprovidos de foro especial. Trata-se este caso de prática de crime de formação de quadrilha, em que um dos denunciados possui prerrogativa de foro no Tribunal de Justiça - é ele o deputado estadual Valter Araújo Gonçalves.

Essa questão já está pacificada na jurisprudência, nos termos da Súmula n. 704 do STF, que dispõe:

[...] não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Ademais, acrescenta-se que, a princípio, não é o caso de desmembramento do inquérito, nos termos do art. 80 do CPP, porque inexiste motivo relevante. O número de agentes e crimes não justifica essa providência. Até mesmo porque, conforme ficou anotado acima, o Ministério Público teve o cuidado de proceder de forma a já fazer o desmembramento dos fatos delituosos e respectivas denúncias.

Assim, rejeito a presente preliminar.

JUIZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRES

Senhor presidente, minha colocação é no sentido de que primeiro deva ser analisado o recebimento da denúncia, eventualmente, não sendo recebida, inclusive, fica prejudicada, é até necessário submeter à análise ao final, e não no início.

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

Senhor presidente, também voto pelo não conhecimento.

DESEMBARGADOR ROWILSON TEIXEIRA

Vou divergir, temos que apreciar, tem alguém que está pedindo socorro. Voto pelo conhecimento.

Os demais pares votaram com o relator.

SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI N. 9.034/95 e SOBRE A NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS por ESCUTA AMBIENTAL

Segundo defesa do denunciado Valter Araújo Gonçalves, não é cabível a aplicação da Lei n. 9.034/95, porque o direito nacional não possui conceituação jurídica sobre o mencionado tema, esse de organização criminosa como delito. A Lei n. 9.034/95 trata da utilização de meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Ao contrário do que é alegado, a lei referida é devidamente aplicável. Trata-se de uma norma jurídica devidamente aprovada pelo Poder Legislativo, eficaz, portanto passível de aplicação. Ainda é importante registrar que é compatível com as disposições da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Tratado de Palermo), inserida no ordenamento jurídico interno, no dia 12 de março de 2004, por meio do Decreto n. 5.015, dessa data.

Finalmente, destaca-se que a referida norma não cria qualquer figura típica, mas adota uma sistemática processual penal contemporânea. Por isso, sua aplicação não fere o princípio da reserva legal. Tanto que é amplamente aplicada pelos tribunais superiores. São abundantes os julgados nos quais as condutas investigadas seguiram passo-a-passo os ditames dessa lei.

Assim, é aplicável ao caso as disposições da Lei n. 9.034/95. E legítimas as provas obtidas com base no procedimento dessas normas da lei atacada.

As provas obtidas de escuta ambiental, portanto, não são nulas. Os monitoramentos foram autorizados pelo Judiciário, por meio de decisão judicial suficientemente fundamentada. Foi autorizada com base na Lei n. 9.034/95, com a finalidade de apuração de ilícitos praticados por quadrilha no estilo de organização criminosa.

A escuta ambiental, além de ser válida, encontra respaldo na legislação e ainda é admitida pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, não prospera o argumento de nulidade da prova obtida pela escuta ambiental.

Já decidiu o STF:

EMENTA: [...]

7. PROVA. Criminal. Escuta ambiental. Captação e interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos. Meio probatório legalmente admitido. Fatos que configurariam crimes praticados por quadrilha ou bando ou organização criminosa. Autorização judicial circunstanciada. Previsão normativa expressa do procedimento. Preliminar repelida. Inteligência dos arts. 1º e 2º, IV, da Lei nº 9.034/95, com a redação da Lei nº 10.217/95. Para fins de persecução criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização ou associação criminosa de qualquer tipo, são permitidos a captação e a interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem como seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial.

8. PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. Suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional. Inteligência do art. 5º, X e XI, da CF, art. 150, § 4º, III, do CP, e art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão.

[-]

12. [-] (Inquérito n. 2424/RJ,Tribunal Pleno, Rel. Min. Peluso, Cezar. j. 26/11/2008).

Assim, senhores desembargadores, voto pela rejeição também da presente preliminar de nulidade de provas.

Os demais pares acompanharam o voto do relator.

MÉRITO

Vamos ao exame dos requisitos da denúncia e das alegações expostas pelos acusados.

Em síntese, os acusados alegam que não concorreram para a prática do crime de formação de quadrilha, inexistência de vínculo associativo para a prática de crimes, ausência de ilicitude na conduta descrita na denúncia, falta de provas para a configuração do delito de formação de quadrilha e não demonstração dos requisitos para a configuração do tipo penal previsto no art. 288 do CP.

As argumentações apresentadas não são suficientes para acarretar a rejeição da inicial.

Estão presentes os indícios bastantes de autoria e materialidade do crime de quadrilha e os requisitos para o recebimento da denúncia. Senão vejamos.

A denúncia destaca os seguintes atos e tarefas para o desiderato da organização criminosa, da qual transcrevem-se os trechos imprescindíveis à compreensão da acusação:

O denunciado VALTER ARAUJO, valendo-se de seu poder político e econômico, entronou-se líder e chefe da Organização Criminosa e como tal explorou com muito rigor e eficiência todo seu prestígio político, exercendo irregularmente o Poder emanado do Cargo de Presidente da Assembleia Legislativa deste Estado de Rondônia para conseguir inúmeros benefícios indevidos para sua pessoa, suas empresas e seus asseclas, ou seja, os co-denunciados. Além de atuar no interesse direto das empresas umbilicalmente vinculadas ao grupo (ROMAR, REFLEXO, J.W., FINO SABOR, QUALIPLÁSTICOS, MAQ-SERVICE), o Denunciado VALTER também explora seu prestígio e poder para assegurar a prorrogação de contratos, o desembaraço e efetivação de pagamentos de contratos pertencentes a outras empresas1. Para isso, o denunciado VALTER se vale do intermédio dos demais membros da quadrilha ora denunciados e, em troca, recebe o pagamento indevido de quantias em dinheiro por parte daquele que teve seus interesses satisfeitos.

Outrossim, nessa mesma esteira, porém em sentido oposto, VALTER também exerce essa mesma ingerência e influência, bem como explora seu poder e prestígio políticos para atravancar os processos, interesses e pagamentos daqueles que se recusam a permanecer pagando parte dos valores recebidos do Estado como retribuição ao -trabalho- de desembaraço e agilização por ele e sua equipe prestados, como, por exemplo, fez com o denunciado JÚLIO CÉSAR, a partir do momento em que este, acreditando já estar autossuficiente perante os órgãos públicos envolvidos, passou a recusar-se a prosseguir no pagamento dos -trabalhos- prestados por VALTER e os demais integrantes do grupo.

Não obstante tudo isso, constatou-se que VALTER corrompe ordinariamente parte dos Deputados Estaduais pagando-lhes quantias em dinheiro em troca de apoio político incondicional na ALE. Para executar tais pagamentos indevidos, VALTER se vale, como emissários, da atuação dos denunciados RAFAEL2 e ÉDERSON3.

Os denunciados RAFAEL SANTOS COSTA e ÉDERSON SOUZA BONFA, atuam como -longa manus- do denunciado Valter4, sendo responsáveis, em suma, por agilizarem a tramitação dos processos de contratação, renovação, aditamentos e pagamentos dos serviços prestados pelas empresas vinculadas ao grupo, junto aos órgãos públicos de forma ilícita, pois, por agirem em nome do denunciado VALTER, possuem trânsito livre com servidores públicos ocupantes de cargos e funções estratégicas nas áreas de atuação da quadrilha (contratos de prestação de serviços).

Além de atuarem no interesse das empresas vinculadas ao esquema (ROMAR, REFLEXO, J.W., FINO SABOR, QUALIPLÁSTICOS, MAQ-SERVICE), os denunciados RAFAEL e ÉDERSON também atuam para assegurar o desembaraçamento e efetivação de pagamentos de contratos pertencentes a outras empresas. Para isso, valem-se do livre trânsito que têm nos órgãos públicos estaduais, bem como do intermédio dos demais denunciados e, em troca, recebem o pagamento indevido de quantias em dinheiro por parte daquele que teve seus créditos satisfeitos. Quando recebem propina pelos serviços realizados por empresas de fora do grupo, os imputados RAFAEL e EDERSON retiram suas partes e entregam o restante ao denunciado VALTER, o líder e mantenedor da quadrilha.

RAFAEL e EDERSON também atuam como emissários de VALTER ARAÚJO para realizar os pagamentos, ou seja, as entregas do dinheiro pago indevidamente a alguns deputados estaduais em troca de apoio político incondicional na ALE. RAFAEL, mesmo sem ser servidor da SESAU, SEJUS, SEFIN, SUPEL, PGE ou da CGE, possui livre acesso a estes locais e ampla margem e gama de contatos com os servidores lá lotados, utilizando-os para conseguir os benefícios indevidos ora retratados.

Ademais disso, ÉDERSON é -testa de ferro- de VALTER, figurando como sócio da empresa ROMAR, cuja propriedade de fato é de VALTER. Como sócio formal da mencionada empresa, é o responsável pelas movimentações bancárias em sentido formal, mas, na verdade, apenas homologa as movimentações feitas por ordem de VALTER, ou seja, depois que VALTER determina aos funcionários do Banco do Brasil a realização de pagamentos e transferências para os beneficiários que indica, ÉDERSON comparece à agência apenas para assinar a respectiva documentação (por determinação de VALTER ou a pedido do gerente), muitas vezes sem sequer saber a identidade de quem recebe5. ÉDERSON ainda tem fundamental importância na organização criminosa, visto que confecciona planilhas e documentos aptos a garantir o ingresso das empresas da organização em licitações.

Os Imputados JÚLIO CÉSAR BONACHE e JOSÉ MIGUEL MORHEB são os braços financeiros de que se vale a Organização Criminosa para abastecer seus cofres e corromper funcionários públicos em busca de poder e benefícios contratuais e financeiros, utilizando-se para tanto dos contratos que possuem com o poder público, firmados por suas empresas (notadamente FINO SABOR e MAQ-SERVICE). Além de atuarem no interesse direto das empresas vinculadas ao grupo, JÚLIO e MIGUEL também atuam para assegurar a -agilização- dos pagamentos de contratos pertencentes a outras empresas. Para isso, os imputados usam e abusam de seu poder financeiro, advindo, como dito, sobretudo dos diversos contratos que possuem com o Poder Público estadual (fornecimento de alimentação nos estabelecimentos prisionais e limpeza hospitalar).

As provas colhidas demonstram que por mais de uma vez JÚLIO CÉSAR e MIGUEL6 prometeram vantagens financeiras a servidores públicos a fim de que -facilitassem- a liberação dos pagamentos das empresas participantes da organização criminosa. Vale ressaltar que JÚLIO CÉSAR, apesar de ser proprietário de fato da empresa FINO SABOR, utiliza-se de interpostas pessoas para figurarem no contrato social. É de bom alvitre registrar que os valores repassados indevidamente a deputados estaduais, em troca de apoio político incondicional na ALE ao denunciado VALTER ARAÚJO, advém também destas empresas.

O Secretário-adjunto de Estado da Saúde, denunciado JOSÉ BATISTA DA SILVA, atua em submissão ao líder VALTER7, sendo, por óbvio, recompensado por significativas quantias em dinheiro. Restou comprovado que -BATISTA- facilita as contratações e pagamentos na SESAU, bem como intercede em benefício das empresas pertencentes ao grupo em contratos com outros órgãos. O Imputado ainda atua no sentido de providenciar arregimentação orçamentária para garantir os pagamentos dos serviços prestados pelas empresas do grupo8, assegurando o necessário para que os demais integrantes de fato não deixem de receber seus créditos junto à SESAU e ainda recebam os pagamentos dos contratos rigorosamente em dia9. Além disso, apurou-se que o denunciado mantém todo o grupo criminoso muito bem informado das ocorrências na SESAU, para que possam agir e adotar todas as providências necessárias ao melhor atendimento de seus interesses ilícitos. Como recompensa BATISTA recebe promessas e efetivas quantias em dinheiro regularmente. Não obstante isso, comprovou-se que BATISTA cria dificuldades e embaraços nas tramitações e pagamentos no âmbito da SESAU, por determinação do líder da organização criminosa, o Denunciado VALTER ARAÚJO, a fim de que os integrantes possam receber valores previamente ajustados para o desembaraço de liberação de valores contratados com o poder público.

Pelas provas colhidas observa-se que o Denunciado ESMERALDO obedece, assim como os demais, o líder da organização criminosa, VALTER, bem como BATISTA. É facilitador das tramitações, contratações irregulares (notadamente emergenciais e prorrogações de contratos) e pagamentos das empresas vinculadas ao grupo10. Da apuração adveio a confirmação de que ESMERALDO solicita e recebe dinheiro ilícito pelos serviços prestados para a manutenção da engrenagem da organização criminosa11. Atua como pode para facilitar pagamentos e contratos de VALTER, ÉDERSON, JÚLIO CÉSAR e MIGUEL. Ou seja, ele presta todo o auxilio necessário ao grupo, ora fornecendo informações privilegiadas acerca de andamentos de tramitações de feitos, previsões orçamentárias, envio de fundos pela SEFIN, iminência de novas contratações, ora agilizando a tramitação de processos para desembaraço de pagamentos, agindo perante outros servidores para acelerar os andamentos, etc.

Já o denunciado BRILHANTE, assim como ESMERALDO, presta todo o auxilio necessário ao grupo, ora fornecendo informações privilegiadas acerca de previsões orçamentárias, envio de fundos pela SEFIN, iminência de novas contratações, ora agilizando a tramitação de processos para desembaraço de pagamentos12, agindo perante outros servidores para acelerar os andamentos, etc. BRILHANTE também atua conseguindo pareceres e outras providências administrativas predeterminadas a beneficiar os co-denunciados, tais como apresentar ou providenciar a confecção de parecer pela contratação emergencial quando isso interessa à organização13 ou mesmo apresentar parecer pela realização de licitação ordinária quando assim deseja o grupo ou ainda manifesta-se pela contratação formal de empresa para determinado serviço, tudo isso exclusivamente de acordo com os interesses daquele que o está retribuindo com pagamento indevido de quantia em dinheiro (geralmente VALTER, RAFAEL, MIGUEL e ÉDERSON)14.

O denunciado RÔMULO DA SILVA LOPES, Assessor Especial do Gabinete do Governador, e que, antes de outubro de 2011 ocupava o cargo de Assessor Especial da Secretaria de Estado de Justiça - SEJUS, também possui livre acesso e trânsito na SESAU, os quais utiliza expressamente para praticar os mesmos ilícitos que pratica na SEJUS em favor da organização, mediante solicitação de pagamento indevido de quantias em dinheiro, bem como aceitação das promessas e efetivos pagamentos realizados pelos diretamente interessados e beneficiados com sua atuação ilícita.

Pelo apurado, o denunciado, por ser -ligado e próximo- ao governador15, desta situação se aproveita para agilizar processos da organização e liberar pagamentos. Infere-se que o imputado desempenha os interesses do grupo na SEJUS, ora fornecendo-lhes informações privilegiadas acerca de novas contratações, previsões orçamentárias, expirações de contratos, etc. ora agenciando perante outros servidores da secretaria a prática de todos e quaisquer atos que se façam necessários para desembaraçar, o mais rápido possível, a tramitação e agilização dos pagamentos de créditos que as empresas vinculadas ao grupo tem com o Estado. Além de atuar em benefício dessas empresas diretamente vinculadas ao esquema ora nominado, RÔMULO também age, a mando de VALTER, ÉDERSON, MIGUEL, JÚLIO ou RAFAEL para desembaraçar processos pertinentes a outras empresas em nome e favor das quais os co-denunciados venham a interceder visando a receber pagamento indevido de quantia em dinheiro como retribuição a tal desembaraço. RÔMULO, pelo cargo que ocupa, atua com ingerência peculiar na SEJUS, SESAU e DETRAN. Naturalmente, a exemplo dos demais servidores públicos envolvidos nesse esquema, RÔMULO atua nessa empreitada, ora mediante a promessa, ora mediante o efetivo pagamento indevido de quantias de dinheiro ou outras vantagens economicamente aferíveis, tais como -presentes-, passagens aéreas, etc.161718.

A denunciada REGINEUSA MARIA ROCHA DE SOUZA é lotada na Controladoria Geral do Estado de Rondônia (CGE). Segundo as investigações apontaram, REGINEUSA é integrante primordial da organização criminosa, em razão de, na CGE, ter a atribuição de analisar a regularidade da documentação apresentada pelas empresas prestadoras de serviço, manifestando-se, por exemplo, em relação à liberação ou não de pagamentos. Vale ressaltar, conforme registrado nos autos, que as provas indicam que REGINEUSA atua com a finalidade de facilitar o trâmite dos processos de interesse da Organização Criminosa, e, por consequência, aufere lucros indevidos com tais atuações19. O conjunto probatório demonstrou REGINEUSA orientando RAFAEL nos trâmites que deveria desempenhar para beneficiar a organização criminosa.

Essa é a denúncia, senhores. Em razão dos fatos acima, é imputada aos acusados a prática do crime de formação de quadrilha (art. 288,CP).

O tipo penal previsto no art. 288 do CP visa a garantir a paz pública, e para sua configuração basta a união permanente, não perpétua, entre mais de três pessoas, com a finalidade de cometer crimes. Daí os indícios dos elementos para a materialidade do crime de quadrilha ou bando e seus autores e membros.

Segundo Luiz Regis Prado (Curso de Direito Penal - Vol. 03, Editora RT, 6 edição, 2010, p. 189), a associação não precisa estar formalizada, pode ser fática ou rudimentar, bastando apenas a caracterização da continuada vontade de um esforço comum. Destaca que seus membros não precisam se conhecer, nem viver em um mesmo ambiente. Não é necessário que essa união se forme pelo ajuste pessoal e direto dos associados. Basta que seus integrantes estejam conscientes em formar parte de uma associação cuja existência e finalidade lhes seja conhecida. O que é o caso dos autos.

Denota-se dos indícios de provas até agora apresentados e da narrativa da denúncia que os integrantes da quadrilha, conscientemente, estavam associados, e cada integrante possuía um papel fundamental para a satisfação dos interesses ilícitos da quadrilha, para a prática dos diversos delitos, que levam o Ministério Público a já ter proposto quase 40 denúncias e que podem chegar a mais de 60 ações, entre criminal e civil, de improbidade.

Além de estarem presentes os indícios suficientes caracterizadores do crime de formação de quadrilha, não há nos autos demonstração de situação capaz de obstar o recebimento da denúncia, de rejeitá-la.

Ainda, a denúncia atende aos requisitos previstos no art. 41 do CPP, pois contém a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime.

Destaca-se que a inicial acusatória é clara, precisa e minuciosa. Descreve os comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos acusados no fato criminoso imputado. Os fatos e as condutas destacadas são suficientes para o recebimento da denúncia. A denúncia contém indícios de provas de autoria e materialidade do delito de formação de quadrilha, como exige a regra penal.

A denúncia é apta, portanto deve ser recebida. Neste sentido, preceitua o STF:

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. INDICAÇÃO DOS ELEMENTOS MÍNIMOS FORMADORES DA OPINIO DELICTI. IMPOSSIBILIDADE DA VALORAÇÃO DAS PROVAS NO PROCEDIMENTO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1. A denúncia permite o pleno exercício do direito de defesa, não havendo dificuldades à compreensão da conduta imputada a cada denunciado. Obediência ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.

2. Alegações referentes às provas constantes dos autos só podem ser corretamente analisadas e valoradas no curso da ação penal de origem, com observância do contraditório. Os indícios constantes dos autos revelam que a denúncia não está desamparada, mas sim apoiada em elementos mínimos de convicção, suficientes à formação da opinio delicti.

3. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, somente autorizada quando patente a existência de constrangimento ilegal, caracterizado pela impossibilidade do exercício do direito de defesa ou pela completa ausência de justa causa para a ação penal, o que não é o caso dos autos. Precedentes.

4. Ordem denegada. (RHC 102046, Rel. Min. BARBOSA, JOAQUIM. Segunda turma, julg. em 28/09/2010, DJe-216 DIVULG 10-11-2010 PUBLIC 11-11-2010, EMENT VOL-02429-01, PP-00047).

Além disso, o Supremo Tribunal Federal entende que se a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, há plausibilidade jurídica para a deflagração da ação penal. Neste sentido é o precedente Inquérito n. 2.527, Paraíba, julgado no dia 30/06/2011.

Nota-se que é evidente a possibilidade jurídica do pedido, bem como o interesse de agir. A ação penal é o meio processual necessário e adequado para a responsabilização penal. A lide penal deve ser resolvida no âmbito do Judiciário. Não há configuração de qualquer uma das causas extintivas da punibilidade capaz de acarretar a rejeição da denúncia.

Não está caracterizada quaisquer das hipóteses que autorizam a rejeição da denúncia elencadas no art. 395 do CPP. A denúncia não é inepta; estão presentes as condições da ação; há indícios mínimos de prova de autoria e materialidade do tipo previsto no art. 288 do CP.

Também registre-se que não é o caso de absolvição sumária de qualquer dos denunciados, nos termos do art. 397 do CPP, nesta fase, pois ausente qualquer elemento probatório capaz de comprovar: a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; - o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou extinta a punibilidade do agente.

Ainda destaca-se que a alegação do denunciado José Miguel de que foi vítima de extorsão não é suficiente para o não recebimento da denúncia. A alegação não obsta a prática do crime de formação de quadrilha. É fato cujas responsabilidades deverão ser apuradas oportunamente.

Registre-se que os documentos juntados pelos denunciados não demonstram fato capaz de obstar o recebimento da denúncia. Aliás, sequer há a devida correlação desses documentos com as alegações expostas na defesa preliminar.

Acrescenta-se que a alegação do denunciado Julio César Fernandes Martins Bonache de que foi vítima do grupo, que foi extorquido, não é suficiente para a denúncia deixar de ser recebida em desfavor dele. Há indícios de ter participado para as atividades ilícitas do grupo, na defesa de seus interesses e, consequentemente, do grupo.

Ante o exposto, voto pelo recebimento da presente denúncia com relação a Valter Araújo Gonçalves, Rafael Santos Costa, Ederson Souza Bonfá, Julio César Fernandes Martins Bonache, José Miguel Saud Morheb, José Batista da Silva, Esmeraldo Batista Ribeiro, José Milton de Sousa Brilhante, Rômulo da Silva Lopes e Regineusa Maria Rocha de Souza.

É como voto.

EMENTA

Recebimento de denúncia. Justa causa. Competência. Requisitos. Crime de quadrilha. Aplicação da Lei n. 9.034/95. Indícios de autoria e materialidade. Instauração da ação penal. Competência do Tribunal para processar e julgar os acusados sem prerrogativa de foro. Devolução do prazo para resposta. Validade de provas obtidas por escutas ambientais.

Este Tribunal é competente para processar e julgar os acusados desprovidos de foro especial. Trata-se de prática de crime de formação de quadrilha, em que um dos denunciados possui prerrogativa de foro no Tribunal de Justiça - deputado estadual. Questão pacificada na jurisprudência, nos termos da Súmula n. 704 do STF.

São válidas as investigações realizadas pela Polícia Federal acerca de esquema de corrupção instaurado no âmbito do Poder Executivo, especialmente quando agiu por requisição do Ministério Público do Estado e autorização do ministro da Justiça.

A Lei que dispõe a respeito de meios operacionais para investigação de Organização Criminosa (Lei n. 9.034/95) é devidamente aplicável. A referida norma não cria figura típica, mas adota uma sistemática processual penal contemporânea. Por isso, sua aplicação não fere o princípio da reserva legal. Tanto que é amplamente aplicada pelos tribunais superiores. São abundantes os julgados nos quais as condutas investigadas seguem passo-a-passo os ditames dessa lei.

As provas obtidas através de escuta ambiental, para o caso de que se trata, são plenamente legitimas. Os monitoramentos foram autorizados pelo Judiciário, por decisão judicial suficientemente fundamentada, autorizada com base na Lei n. 9.034/95, com a finalidade de investigar condutas cujos os indícios indicavam a prática de ilícitos praticados por quadrilha no estilo de organização criminosa.

Indefere-se a devolução do prazo para apresentação de resposta ante a ausência de demonstração de prejuízo, principalmente quando fornecidos os elementos necessários para a defesa formular resposta.

Estando a denúncia acompanhada de elementos de convicção, que revelam indícios de autoria e de materialidade, a inicial deve ser recebida, e instaurada a ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR MAIORIA, NÃO CONHECER DA QUESTÃO DE ORDEM PARA REVOGAÇÃO DAS PRISÕES PREVENTIVAS DOS DENUNCIADOS JOSÉ BATISTA DA SILVA E ESMERALDO BATISTA RIBEIRO, LEVANTADAS NA TRIBUNA PELAS DEFESAS DOS ACUSADOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ROWILSON TEIXEIRA, IVANIRA FEITOSA BORGES E A JUÍZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRES

POR UNANIMIDADE, REJEITAR AS QUESTÕES DE ORDEM PARA QUE SEJAM CONSIDERADAS AS RESPOSTAS APRESENTADAS INTEMPESTIVAMENTE PELAS DEFESAS DOS ACUSADOS RAFAEL SANTOS COSTA E JÚLIO CESAR FERNANDES MARTINS BONACHE, PARA QUE SEJAM REUNIDOS OS PROCESSOS E SUSPENSO O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E PARA QUE SEJA APLICADA A SÚMULA N. 122 DO STJ, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

POR UNANIMIDADE, REJEITAR AS PRELIMINARES PARA DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA RESPOSTA, PARA QUE SEJA DECLARADA A INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR OS ACUSADOS QUE NÃO POSSUEM PRERROGATIVA DE FORO E DE INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.034/95 E DE NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE ESCUTA AMBIENTAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

POR UNANIMIDADE, NO MÉRITO, RECEBER A DENÚNCIA NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Os desembargadores Walter Waltenberg Silva Junior, Kiyochi Mori, Marialva Henriques Daldegan Bueno, Daniel Ribeiro Lagos, Eurico Montenegro, Renato Mimessi, Zelite Andrade Carneiro e os juízes José Torres Ferreira, Francisco Borges Ferreira Neto e Francisco Prestello de Vasconcellos acompanharam o voto do relator.

Ausentes os desembargadores Moreira Chagas, Marcos Alaor Diniz Grangeia, Miguel Monico Neto, Raduan Miguel Filho e Gilberto Barbosa.

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