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O Aborto, a Liberdade e a Criança em Rondônia e no Brasil

Sábado, 13 Novembro de 2010 - 09:10 | Tadeu Fernandes


O Aborto, a Liberdade e a Criança em Rondônia e no Brasil

Todos devem ter acompanhamento: a mãe, o nascituro, a criança, com o Estado assegurando todas as condições necessárias. Só criminalizar a conduta não resolve o problema. E é muito pouco.

O tema aborto é complexo e fazer um debate qualificado sobre a questão requer uma análise sem paixões, desprovida de conceitos prestabelecidos. É um mal que atinge grande parte da população e não podemos deixar de enfrentá-lo, buscando soluções.

Tenho uma formação religiosa que advêm dos longos anos nos quais estudei em internato católico, o que desperta a necessidade de se fazer um alerta geral para que sejam iluminadas as mentes e os corações dos homens de bem para que não se continue tratando este assunto perifericamente.

No Brasil ainda subdesenvolvido, com bolsões de miséria e pobreza, há expressivo número de mulheres que de um momento para outro convivem com a necessidade de decidir: abortar ou não.  Sem que tenham exata consciência de suas conseqüências, são milhares de seres humanos que não contam com atendimento e acompanhamento. É a falta de políticas públicas direcionadas a tornar efetiva a atuação do poder público nesses momentos angustiantes de mulheres, não somente as pobres e miseráveis como as tantas outras que por múltiplas razões se defrontam com a mesma realidade.

O tema representa o direito à vida, à liberdade e ao amparo as crianças, que estão interligados e são amparados pela Constituição brasileira. Como resolver? Eis a questão! O tema foi enfocado na campanha eleitoral, com candidato que antes tinha uma convicção e, para não perder votos, mudou de opinião. Antes era questão de política pública e depois, com a reação da sociedade, passou-se a ter posição contrária sem apontar soluções para que o flagelo que atinge milhares de brasileiras, nascituros e crianças, seja realmente resolvido.

É muito cômodo somente se posicionar a favor e não fazer acontecer. Enfrentar o drama de frente e se convencer que muito tem que ser feito contra as barbáries que são cometidas todos os dias em clínicas e locais inapropriados que põem em risco a vida e a saúde de mulheres em desespero e de crianças geradas nestas circunstâncias.

Será que somente criminalizar é a solução? Não existe por trás de tudo isso, na maior parcela das situações, pessoas desprovidas de conhecimento, cultura, escolaridade e consciência para que tais atitudes sejam adotadas? Nosso País é injusto para com a formação das famílias desprovidas de padrões de ética e moral, onde a miséria e o desconforto da vida se tornam em vez de réus vitimas do sistema que é falho e omisso.

O próprio Ministério da saúde noticiou a estimativa: ocorrem 1,450 milhão de abortos no Brasil por ano – entre 250 e 440 mortes anuais. Este número é certamente muito maior. São casos que em sua maioria ocorrem em locais sujos e inadequados, muitos com uso incorreto de medicamentos e expulsão incompleta, resultando em sérias consequências para a saúde da gestante. Os números são alarmantes: o nordeste é a região que apresenta o maior número de casos, o sul o menor;  a maioria das mulheres tem entre 18 e 39 anos, sendo de 15% a 20%, de cada 100 mulheres, já fizeram aborto.

O aborto no Brasil é previsto como crime contra a vida pelo Código Penal, que estabelece pena de detenção de 1 a 10 anos, não punindo a conduta quando não há outro meio para salvar a vida da mãe e quando a gravidez resulta de estupro (art. 128 do CP).

O Código Civil estabelece que desde a concepção haverá proteção jurídica aos nascituros, Já o art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a criança nascitura tem o direito à vida, tudo mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento.

A pergunta que se faz é onde estão os centros de atendimento e acompanhamento das mulheres? Onde estão os técnicos e especialistas na área? Onde recorrer quando a gestante, por razões múltiplas, não tem certeza que realmente quer ser mãe e gerar seu próprio filho? A fria e morta letra do nosso ordenamento jurídico, na prática, quase inexiste. Para o governo é bem simples criminalizar as milhares de mulheres e se livrar de suas responsabilidades. Vivemos no mundo real e vemos um quadro triste e desolador, principalmente nas camadas mais necessitadas de nossa população.

O Brasil ratificou, em 25 de setembro de 1.992, a convenção americana dos Direitos Humanos, que também dispõe sobre o direito à vida, que deve ser protegida desde a concepção. O mesmo é previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Na 13ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 2007, votou-se contra a descriminalização do aborto, sendo que o projeto de lei 1135/91 também foi rejeitado  pela Câmara dos Deputados. Em 19 de maio de 2010 a Câmara dos Deputados aprovou na Comissão de Seguridade Social e Família o Estatuto do Nascituro, proibindo o aborto em todas as consequências, afastando o aborto sentimental. Do texto legal tiramos o artigo 126 do Código Penal que criminalizava o aborto mesmo com o consentimento da gestante e o aborto provocado por terceiros.

A “Data Folha”, em março de 2.007, destacou que 65% dos brasileiros entendem que devem ser mantidas as atuais regras de natureza penal contra aqueles que praticarem aborto.

Heleno Fragoso destaca, em “Lições de Direito Penal”, que Aristóteles pregava que o aborto só era crime quando o feto já tivesse recebido alma, o que julgava ocorrer quarenta e oito dias após a concepção. A Igreja Católica mais tarde aboliu a distinção e passou a condenar severamente o aborto, com pena de morte  pela espada, afogamento, fogueira, tanto da mulher como de quem participasse, o que justificava invocando o direito canônico em razão da perda da alma do feto, que ficava sem batismo.

A questão do aborto vem sendo debatida por sociólogos, religiosos, juristas e uma gama de pessoas que tem se preocupado com a questão  e suas consequências desde os remotos tempos. O tema é polêmico e poucos ousam adentrar nesta questão para não desagradar posições já definidas, sem encontrar um equilíbrio que atenda a uma situação de fato que joga na clandestinidade milhões de mulheres que desesperadas não encontram agasalho do Estado e políticas públicas que possam dar guarida e acompanhamento em uma hora difícil de suas vidas.

O modelo legal que serve ao Brasil é o mesmo de 82 anos atrás, quando da sua instituição na Suíça. Os argumentos e debates continuam entre as duas partes - direito à vida e direito à liberdade, e por várias razões nada evoluiu.

Lembro relatos do filme “Desafio da Lei” de André Garcia, que trata sobre o assunto, e extraio pequenos  trechos  que são importantes para que tenhamos a noção e a consciência exata de que este tema é de vital importância para toda a sociedade brasileira, para as famílias e futuras gerações.

O que se pretende debater é o direito à vida e a escolha da liberdade da mulher. Obviamente, deve-se defender e apoiar em primeiríssimo plano a vida, não deixando de se levar em consideração uma realidade fática existente em toda a sociedade que é a liberdade, o nascituro e a criança.

Como um País como o nosso chegou a este ponto de total afastamento de um dos mais graves problemas que são reais a cada dia, dizer que os dois lados tem razão é permitir pelo menos que se aprofunde esta questão e debatermos a exaustão para que não sejam desrespeitados o direito à vida, ao mesmo tempo, proteger milhares de mulheres desamparadas.

É claro que um feto é uma vida e a vida é preciosa. Cuidamos dos animais e de tantas outras coisas. Como negar que um feto humano é uma vida que se torna um de nós dia após dia? E como negar à mulher controlar o seu corpo? É a liberdade mais básica e elementar e que possa proteger de forma consciente e conhecendo as verdadeiras consequências do seu ato, o que deve prevalecer é a verdade, conforme nos ensinam os princípios cristãos. Cada lado pode não ter totalmente razão, pois conforme lhe convém, um toma o direito do outro. Estes direitos, a vida e a liberdade, o nascituro e a criança, conforme as correntes sectárias parecem ser conflitantes, e todos, principalmente o Estado, precisam equilibrá-los e conscientizar a real situação dos fatos, pois cada direito é precioso e merece ser pleno, não há outra maneira.


Hoje no Brasil é mais fácil abortar do que conseguir uma carteira de motorista. O que deve ser levado em conta, e não é contestado por ninguém, é o direito à vida e não negar em parte a pró-escolha. Onde está o movimento pró-criança?

Milhares estão em orfanatos e abrigos porque nosso sistema de adoção só atende uma pequena parte, havendo crianças que ninguém que adotar ou amar. Fácil imaginar como aumenta ano a ano a criminalização do aborto. No Brasil, no mínimo uma em cada cinco crianças vive na pobreza, imaginem quantas delas ninguém quer. Somente proibir o aborto e não criar mecanismos para a prevenção e o acompanhamento das gestantes é muito pouco.

Com isso vem ao mundo inocentes pelos quais o Estado muitas vezes perde todo o interesse. O governo deve e tem a responsabilidade pela proteção destas crianças, o que é sagrado. O Estado tem a obrigação de estabelecer regras duras para a liberdade e decisão das mulheres, com plano de assistência à gestante e à infância dessas crianças, garantindo-lhes cláusulas de proteção. Com a obrigação de proteger o feto, a gestante deve ter o direito de ser acompanhada e assistida pelos órgãos representativos da saúde pública, ofertando amparo à mãe e à criança de forma efetiva.

Este plano de assistência e acompanhamento à gestante, principalmente às mais humildes e miseráveis, obviamente requer fartos recursos públicos e quanto a isto o Estado não pode se omitir, o que requer soluções criativas, práticas e  humanas. As crianças indefesas só podem ser socorridas pelo Estado, tanto na concepção como após o nascimento com vida.

As mais pobres e miseráveis, em momentos de falta de acompanhamento e de assistência direta, desequilibradas e mal alimentadas, no seu desespero certamente não encontram guarida para os seus múltiplos problemas, devendo ter o apoio dos órgãos públicos.
Nós somos humanos e só resta pedir a Deus que nos inspire e entendam o que deverá ser feito para que não continuem sendo sacrificados milhares de seres humanos, devendo ser alcançado um equilíbrio entre as correntes. Quanto tempo precisa passar para que o Estado crie mecanismos e condições reais para enfrentar esse flagelo do qual são vítimas milhares de mulheres, em sua maioria fruto da miséria e da falta de boa formação familiar e intelectual. Mas, devemos observar que somente criminalizar é muito pouco. O Governo, editando  duas ou três leis punitivas, se convence e tenta convencer a todos que cumpriu o seu papel, quando na realidade o problema é muito mais profundo e penaliza milhares de brasileiras por falta de políticas públicas eficientes, que vão fundo à raiz da questão.

Este raciocínio, a princípio, pode não confortar aqueles cuja religião ou ética afirmam que uma vida humana começa a existir na concepção, e o fazem com razão. Ainda bem que neste País temos o direito de livremente praticar nossas próprias crenças, sem oposição, o que não significa que os brasileiros sejam a favor do aborto.
Hoje no Brasil é mais fácil abortar do que conseguir uma carteira de motorista. O que deve ser levado em conta, e não é contestado por ninguém, é o direito à vida e não negar em parte a pró-escolha. Onde está o movimento pró-criança?

Milhares estão em orfanatos e abrigos porque nosso sistema de adoção só atende uma pequena parte, havendo crianças que ninguém que adotar ou amar. Fácil imaginar como aumenta ano a ano a criminalização do aborto. No Brasil, no mínimo uma em cada cinco crianças vive na pobreza, imaginem quantas delas ninguém quer. Somente proibir o aborto e não criar mecanismos para a prevenção e o acompanhamento das gestantes é muito pouco.

Com isso vem ao mundo inocentes pelos quais o Estado muitas vezes perde todo o interesse. O governo deve e tem a responsabilidade pela proteção destas crianças, o que é sagrado. O Estado tem a obrigação de estabelecer regras duras para a liberdade e decisão das mulheres, com plano de assistência à gestante e à infância dessas crianças, garantindo-lhes cláusulas de proteção. Com a obrigação de proteger o feto, a gestante deve ter o direito de ser acompanhada e assistida pelos órgãos representativos da saúde pública, ofertando amparo à mãe e à criança de forma efetiva.

Este plano de assistência e acompanhamento à gestante, principalmente às mais humildes e miseráveis, obviamente requer fartos recursos públicos e quanto a isto o Estado não pode se omitir, o que requer soluções criativas, práticas e  humanas. As crianças indefesas só podem ser socorridas pelo Estado, tanto na concepção como após o nascimento com vida.

As mais pobres e miseráveis, em momentos de falta de acompanhamento e de assistência direta, desequilibradas e mal alimentadas, no seu desespero certamente não encontram guarida para os seus múltiplos problemas, devendo ter o apoio dos órgãos públicos.
Após todo o acompanhamento psicológico e clínico aconselhando sobre as consequências dos seus atos, conscientizando que terá plena assistência no decorrer de sua gestação até o nascimento de seu filho e que a criança terá plena proteção do Estado, quando a mãe ou a família não tiverem as condições para a sua formação e bem estar, certamente diminuirá em muito o número de abortos no Brasil. Só criminalizar, convenhamos, é muito pouco.

É hora do governo, das autoridades representativas unirem-se a todos os setores da sociedade civil, entidades protetoras e assistencialistas da gestante e da criança, dos vários segmentos religiosos, debaterem com mais profundidade este triste flagelo que atinge milhões de brasileiras todo ano, encontrando meios e soluções que possam estar presente nos momentos mais cruciantes das mulheres gestantes, que na grande maioria certamente teriam posições diferentes se o Estado estivesse mais presente e lhes desse o conforto moral e material para convencê-las sobre o caminho correto a ser seguido, não se omitindo em proteger o nascituro e a criança com os meios disponíveis para a formação de futuros brasileiros que se orgulharão de seu País.

O problema do aborto é um fato concreto, somente criminalizar é inútil, não reduz o número de mulheres que procuram, no seu desespero e na sua inconsciência, meios e locais desapropriados que atentam contra a sua vida e a sua dignidade enquanto ser humano. Com este sistema arcaico não diminuirão os milhares de casos que denigrem grande parte da população, restando um grande e lucrativo negócio para pessoas que se aproveitam para garantir lucros. Além disso, não deixa de ser uma hipocrisia desconhecer e dar as costas a essa triste e cruel realidade.

O grande problema é a desigualdade e a marginalização social. Alguns dentro do mercado de trabalho vivem em condições sociais totalmente adversas, miseráveis que crescem sem perspectiva de futuro. Grande parte da população está fora do contexto social, marginalizada, principalmente nas periferias, nas favelas, verdadeiros guetos,  surgindo a repressão social seletiva. Esta é uma questão política que está além do sistema penal, além da capacidade da justiça.

O autor é advogado

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