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Juacy dos Santos Loura Júnior

Entre a Lei e a reforma: A desincompatibilização na LC 64/90 e os avanços do PLP 192/2023

Sexta-feira, 05 Setembro de 2025 - 14:16 | Juacy dos Santos Loura Júnior


Entre a Lei e a reforma: A desincompatibilização na LC 64/90 e os avanços do PLP 192/2023Introdução

Este artigo inaugura uma série de reflexões sobre o Projeto de Lei Complementar nº 192/2023, recentemente aprovado pelo Senado Federal em 2 de setembro de 2025, por 50 votos a 24. A proposta legislativa, apresentada na Câmara dos Deputados em setembro de 2023, tem como finalidade atualizar dispositivos da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei das Inelegibilidades) e da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), com impacto direto na contagem dos prazos de inelegibilidade, nas regras de desincompatibilização e na criação de um novo instrumento jurídico: o Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE). O presente texto concentra-se na análise da desincompatibilização dos servidores públicos, instituto que permanece essencial para assegurar à igualdade de condições entre os competidores eleitorais, evitando o uso da máquina administrativa em benefício de candidaturas.

O PLP 192 foi apresentado em 12 de setembro de 2023, com autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ) e coautorias, como Domingos Neto (PSD-CE) e Prof. Paulo Fernando (REPUBLIC-DF) conforme informação do Portal da Câmara dos Deputados.

 A proposta tem como objetivo central alterar a Lei Complementar nº 64/1990 (Lei das Inelegibilidades) e a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), modificando prazos de inelegibilidade, regras de contagem desse prazo e criando uma novidade para o mundo jurídico eleitoral: o Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE). O projeto busca atualizar a legislação eleitoral diante de demandas contemporâneas, oferecendo maior segurança jurídica, isonomia aos participantes do processo político-eleitoral brasileiro.

Complexidade normativa e papel do TSE

A legislação eleitoral brasileira reúne mais de uma centena de hipóteses de desincompatibilização, que variam conforme o cargo, à esfera de poder e o tipo de função exercida. Não por acaso, nem a LC 64/90 nem o PLP 192/2023 detalham cada situação em separado. Cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a tarefa de interpretar e consolidar essas regras, oferecendo parâmetros práticos à sociedade. 

As regras de desincompatibilização no direito eleitoral brasileiro são extremamente complexas, alcançando mais de 100 (cem) hipóteses distintas, a depender do cargo ocupado, da esfera de atuação e da função pública ou privada exercida e até da eleição em disputa. Por essa razão, tanto a Lei Complementar nº 64/1990, atualmente em vigor, quanto o PLP 192/2023, recentemente aprovado no Senado Federal, não detalham de forma exaustiva cada uma dessas situações, mas estabelecem apenas diretrizes gerais. 

Vale dizer que a regulamentação prática e a interpretação casuística são construídas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que inclusive disponibiliza em seu portal uma ferramenta de consulta direta, na qual qualquer interessado pode pesquisar os prazos de desincompatibilização aplicáveis a cada cargo e função: TSE – Desincompatibilização. Esse recurso tornou-se imprescindível diante da complexidade normativa e da necessidade de segurança jurídica no processo eleitoral.

Trataremos, portanto, das regras pontuais que atualmente estão em vigor e alguns pontos de mudança pelo PLP 192/2023.

Regras atuais da LC 64/90

A legislação hoje em vigor prevê diferentes prazos de desincompatibilização, entre os quais se destacam:

- Servidores públicos (estatutários ou não): afastamento de três meses antes do pleito, com direito à remuneração integral.

- Autoridades policiais civis ou militares em exercício no município, quando candidatos a prefeito ou vice-prefeito: prazo de quatro meses, com peculiaridades no caso de militares, que devem deixar funções de comando e, apenas se homologados em convenção, requerer licença.
- Vereadores: regra geral de seis meses de afastamento, por identidade de situações com outros cargos legislativos.

Apesar de a lei garantir a manutenção da remuneração, esse direito tem sido objeto de litígios recorrentes em Rondônia e em outros estados, especialmente nas últimas eleições, em que administrações públicas resistiram em pagar os vencimentos de servidores afastados e os partidos politicos tiverem que buscar o Poder Judiciário para garantir esse direito aos filiados que eram servidores públicos efetivos.

Inovações do PLP 192/2023

O PLP 192/2023 como já informado neste texto, já foi aprovado pelo Senado, mas ainda não está em vigor, não houve alterações legislativas, isso porque, no sistema constitucional brasileiro, um projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso segue para o Presidente da República, que de acordo com o artigo 66 da Constituição Federal pode sancionar (concordar) ou vetar (discordar, total ou parcialmente) a norma. O prazo constitucional é de 15 dias úteis a contar do recebimento, para essa manifestação.

- Se sancionado, o texto é publicado e passa a ter força de lei.

- Se vetado, o veto retorna ao Congresso, que pode mantê-lo ou derrubá-lo.

Somente após esse ciclo o diploma legal adquire eficácia e aplicabilidade no mundo jurídico. Portanto, as regras comentadas como “mudanças” ainda são projeções legislativas, sem efeitos imediatos sobre as eleições até a conclusão desse processo.

O texto aprovado pelo Senado manteve alguns pilares tradicionais, mas trouxe ajustes significativos:

- Prefeitos e vice-prefeitos: o prazo de desincompatibilização foi ampliado de quatro para seis meses.

- Membros do Ministério Público e da Defensoria Pública em exercício na comarca: também passam a se afastar com antecedência mínima de seis meses, preservando seus vencimentos integrais.

- Autoridades policiais civis e militares: tiveram o mesmo prazo estendido para seis meses.

- Servidores públicos em geral: permanece o prazo de três meses, mas com à inovação de que o afastamento poderá se prolongar até dez dias após o segundo turno, quando o servidor disputar essa fase da eleição.

- Retorno imediato: servidores licenciados devem retornar às suas funções caso o pedido de registro não seja formalizado, ou venha a ser indeferido ou cassado pela Justiça Eleitoral, após decisão definitiva.

Vejo que essas mudanças reafirmam e refletem a busca por maior equilíbrio entre a proteção da moralidade administrativa e à efetivação do direito fundamental de candidatura.

Fundamentos doutrinários

A doutrina eleitoral tradicional sempre destacou a natureza cautelar e preventiva da desincompatibilização.

Rodrigo López Zílio observa que a medida visa afastar da disputa quem poderia competir em condições desiguais, preservando a vontade popular (Direito Eleitoral, 2021, p. 213). Na mesma linha, Joel José Cândido enfatiza sua função de moralização do processo eleitoral, impedindo abusos de poder político e econômico (Direito Eleitoral Brasileiro, 2018, p. 179). 

José Jairo Gomes e Edson Rezende de Oliveira também sublinham que a desincompatibilização não é sanção, mas cautela: busca-se impedir que funções públicas se transformem em plataformas de favorecimento político.

Considerações finais

O PLP 192/2023 reafirma a centralidade da desincompatibilização no sistema eleitoral brasileiro, ao mesmo tempo em que moderniza dispositivos da LC 64/90. A manutenção do prazo de três meses para servidores públicos, acrescida da possibilidade de extensão até dez dias após o segundo turno, confere maior funcionalidade ao instituto. A exigência de retorno imediato em caso de indeferimento de registro impede afastamentos abusivos. Já a ampliação de quatro para seis meses para categorias sensíveis — como MP, Defensoria e autoridades policiais civis e militares — reforça a necessidade de neutralidade e imparcialidade para quem exercendo cargo público almeja uma disputa eleitoral.

As inovações ainda dependem da sanção presidencial para integrarem definitivamente o ordenamento jurídico, penso que em relação ao ponto de desincompatibilização não haverá vetos, o mesmo não Podemos dizer em relação ao ponto dos prazos de inelegibilidades, mas certamente as normas trazidas pelo PLP 192/2023 representam um avanço relevante no esforço de compatibilizar o direito de candidatura com à igualdade de oportunidades eleitorais para quem exerce ou não cargo público.

Este é apenas o início de uma análise mais ampla sobre o PLP 192/2023. Em artigo futuro, examinaremos suas repercussões no campo das inelegibilidades, outro ponto sensível do projeto que merece detalhamento específico.

* Juacy dos Santos Loura Júnior é advogado, especialista (EJE-TRE-RO) e Mestre em Direito Eleitoral (Uninove-SP).

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 192/2023. Texto final aprovado no Senado Federal.

Desincompatibilização e afastamentos — Tribunal Superior Eleitoral

CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2022.

OLIVEIRA, Edson Rezende de. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.

ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2021.

 

 

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