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“O extrativismo florestal no Acre está falido” - Por Altino Machado

Sexta-feira, 19 Dezembro de 2008 - 09:29 | Altino Machado


Por Altino Machado



Contrariando a hegemonia política do PT e do governo estadual, a ex-militante petista, agora filiada ao PV, conduz há dois anos e seis meses o sindicato que é tão famoso quanto o nome do seringueiro que o presidia quando tombou vítima de uma emboscada em sua própria casa.

A recondução de Derci Teles de Carvalho à presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri foi o fato mais marcante da organização desde que Chico Mendes foi assassinado com um tiro de espingarda há 20 anos.

Contrariando a hegemonia política do PT e do governo estadual, a ex-militante petista, agora filiada ao PV, conduz há dois anos e seis meses o sindicato que é tão famoso quanto o nome do seringueiro que o presidia quando tombou vítima de uma emboscada em sua própria casa.

Quando presidiu o sindicato pela primeira vez (1981-1982), antes mesmo de Chico Mendes, Derci Teles de Carvalho se tornou a primeira mulher no país a dirigir uma organização de trabalhadores rurais.

Na quarta-feira, dois dias após a abertura da Semana Chico Mendes, organizada no Acre para marcar os 20 anos da morte do seringueiro de Xapuri, a presidente do sindicato surpreendeu ao distribuir uma nota criticando a programação quando está em curso operação do Ibama para expulsar ocupantes ilegais da Reserva Extrativista Chico Mendes.

Contrariando apelos de Anselmo Forneck, gerente do Ibama no Acre, Derci Carvalho distribuiu a nota para lembrar que, após dezoito anos de criação da reserva, não existe política para que os seringueiros possam viver com dignidade exclusivamente da produção extrativista.

- A pecuária só se expandiu dentro da reserva extrativista por falta dessa alternativa de geração de renda. O extratitvismo florestal no Acre está falido - afirma Derci Carvalho com exclusividade ao Blog da Amazônia.

Por causa de manifestações críticas como essa, a entidade da ex-companheira de lutas de Chico Mendes foi alijada de todos os eventos organizados no Estado para marcar os 20 anos do assassinato do seringueiro.

Leia a entrevista:

Não é contraditório que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, 20 anos após o assassinato de Chico Mendes, defenda a pecuária em reserva extrativista como uma atividade necessária para complementar a renda de seus ocupantes?

Não é uma contradição porque não existe outro produto dentro da reserva extrativisa que nos garanta geração de renda com o mesmo potencial que a pecuária garante hoje. A pecuária só se expandiu dentro da reserva extrativista por falta dessa alternativa de geração de renda. O extratitvismo florestal no Acre está falido. Eu desafio ex-seringueiros, que hoje defendem o extrativismo, a voltarem a vender um quilo de borracha para a fábrica de preservativos Natex, em Xapuri, por R$ 4,10. A média que o seringueiro produz no decorrer de 30 dias é 100 quilos de borracha, que equivalem a R$ 410,00. Isso é dinheiro? É inferior ao salário mínimo. Todo mundo sabe que o salário mínimo não é suficiente para uma família, em média, de quatro pessoas.

Estando falido o extrativismo….

A pecuária substituitu a borracha natural. E por ser a pecuária a atividade secundária, depois do seringal tradicional, qual foi a atividade que veio para o estado e que foi estimulada pelos governos? Foi a pecuária.

Inclusive pelo “governo da floresta”?

Eu não diria pelo “governo da floresta” porque não houve nenhum financiamento para a pecuária de corte. Assim como o Anselmo Forneck, gerente do Ibama, quer que eu assuma o que a diretoria anterior fez, assinando um documento que pediu a operação Reserva Legal, o governo estadual deve assumir que houve investimentos no passado que estimulou a pecuária. Em função dessa deficiência de políticas, ela ganhou espaço nos seringais. Onde existia colocação de seringa hoje existem grandes pastagens porque o boi é o único produto do setor rural que garante uma geração de renda imediata. Ninguém necessita dispor de ramal com boa trafegabilidade, nem mesmo carro, nem mesmo sair de casa para vender esse produto porque os compradores vêm à procura.

Essa é uma alternativa?

Até o momento é porque não existe outra. A fábrica de preservativos, até junho deste ano, demorava até quatro meses para efetuar o pagamento de compras de borracha. Então a pessoa que estava entregando látex e passava dois meses sem receber, passava por dificuldades em todos os sentidos, chegando a faltar até os principais produtos, como o sal. Fiz um ofício para a gerente da fábrica e ela disse que desconhecia essa situação. Daí convidei-a para ir comigo até a área para ver as pessoas que tinham me contado essa história, mas ela não aceitou.

O sindicato afirma que não acompanhou o plano de utilização da reserva Chico Mendes.

Está tendo alguns equívocos no entendimento da nota. Critico a operação Reserva Legal porque o plano de utilização, no seu item 54, diz que os sindicatos, associações e o próprio Ibama são os fiscais da reserva extrativista. Estou há dois anos e seis meses à frente deste sindicato e assumo que nunca fiz trabalho educativo neste sentido, de explicar plano de utilização. Até porque a reserva já existe há 18 anos e isso já era para ter acontecido. Após essa educação em relação ao plano, os infratores devem ser advertidos por escrito e ter um prazo para se adequar ao regulamento da reserva. As pessoas que têm procurado o sindicato, nenhuma dispõe desse documento de advertência.

O Ibama tem dito que havia consenso sobre a retirada dos ocupantes ilegais.

Essa reunião aconteceu em 2005. Eu não estava na direção do sindicato e se estivesse não assinaria sem que essas considerações que faço agora acontecessem.

É verdade que existem comerciantes proprietários de áreas dentro da reserva extrativista e até mesmo um haras?

É verdade.

É verdade que um funcionário do Ibama é pretenso proprietário de uma área?

Não posso dizer com precisão porque é uma área que não conheço. Mas existem comentários de quem tem funcionário do Ibama na área da Maloca. Não posso afirmar porque estive lá. Mas existem funcionários públicos e pessoas especulando terra. Isso aconteceu porque não houve a fiscalização, não houve a identificação da área. Isso ficou provado durante nossa assembléia nesta semana com o gerente do Ibama e com o representante do Instituto Chico Mendes. As pessoas só tomaram conhecimento de que estavam dentro de uma reserva extrativista a partir de 2006, quando o Ibama instalou placas.

Mas a reserva extrativista era uma reivindicação dos seringueiros e todos sabiam que não poderiam causar danos ambientais.

O problema é que essas discussões, nos últimos 20 anos, ocorreram entre as representações, que muitas vezes não têm contato com a base. Portanto, a representação negocia o que ela pensa. Em hipótese alguma, posso dizer que o que estou dizendo nesta entrevista seja a opinião da base do sindicato. Estou falando como presidente do sindicato. Como cidadã também assumiria a mesma posição, mas não comprometeria ninguém porque não fiz uma discussão com a base desse sindicato para emitir essa minha opinião. O que acontece é que existem pessoas que nem em Xapuri moram mais, mas ficam posando de representantes sem ter esse elo com os trabalhadores rurais da região.

Você acha que a conquista do poder trouxe prejuízos para o movimento social?

Eu não acho. Eu tenho certeza. O sindicato está praticamente falido. Ele é visto só como uma entidade para conceder declarações para acessar financiamentos do banco, benefícios no INSS. Muitas vezes a pessoa só se filia porque necessita dessa declaração e só volta aqui quando necessita de outra declaração.

E a cooptação política?

É um fator que contribuiu para essa situação. Os dirigentes que atuavam junto com Chico Mendes hoje prestam serviços remunerados pelo governo. Em hipótese nenhuma vão poder se contrapor ao seu patrão. A verdade é essa.

Você se sente pressionada ou discriminada?

Pressionada eu não me sinto porque fiz parte do início da história desse movimento. Conheço a história do princípio até os dias atuais. Ninguém pode me pressionar. É tanto que o que falo aqui falo em qualquer lugar. O que um ou outro faz é dizer indiretamente que estou defendendo fazendeiros, mas isso não é verdade. A verdade é que existem seringueiros que ampliaram a sua pecuária em função da falta de alternativa de geração de renda. Todo mundo fala que existe, por exemplo, óleo de copaíba e preço mínimo. Mas ninguém sabe onde é que se vende copaíba. Em Xapuri não tem lugar para vender esse tipo de produto. Desconheço que haja também em Rio Branco. A reserva extrativista tem um objetivo definido. Eu participei da discussão inicial, durante o primeiro encontro nacional dos seringueiros, que aconteceu em Brasília, em 1985. A gente entendia reserva extrativista como um lugar aonde os seringueiros iriam continuar vivendo como viviam até aquela época, quando o extrativismo era valorizado. As cooperativas das associações foram criadas para substituir os patrões e os marreteiros.

Como foi o seu convívio com Chico Mendes?

Convivi com o Chico nessa luta de política sindical até 1985, inclusive fui presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri antes dele. Mas a verdade é que existe muita contradição no que é dito hoje como sendo a visão do Chico Mendes. Recentemente, assisti a uma entrevista do Chico, gravada em 1988, onde ele diz que via a reserva extrativista como a alternativa de sobrevivência com dignidade para os seringueiros. Isso se daria a partir de pesquisas feitas por universidades, que legitimassem para o mercado uma série de produtos que existentes dentro da floresta.

Voce acha que Chico Mendes estaria enfrentando dificuldade para consolidar o discurso dele se estivesse vivo no “governo da floresta”?

Com certeza.

Por que?

Porque os integrantes do governo têm conhecimento do que o Chico Mendes defendia. E a prática do governo está sendo o contrário daquilo que o Chico Mendes pregava. A gente ver muito, por exemplo, investimento na área da exploracão madeireira, não nada na exploração de produtos extrativistas sustentáveis. A madeira exploração madeireira no Acre não é sustentável. Ela só seria sustentável se a madeira estivesse sendo retirado e sendo reflorestas as áreas de exploração. Por enquanto, não está sendo feito isso. Existe um projeto, uma possibilidade disso ser feito. Mas até os dias atuais o projeto de reflorestamento ainda está em discussão.

Você tem participado da programacão que marca os 20 anos da morte de Chico Mendes?

Não. O governo estadual e o Comitê Chico Mendes decidiram nos alijar de todos os eventos porque costuamos fazer uma avaliação crítica do que representam esses 20 anos sem Chico Mendes. A gente fica triste com a falta de cortesia e a pobreza de espírito, mas esse incômodo não tem força de nos fazer desistir daquilo que nos propusemos. Quando decidi voltar para o sindicato foi para contribuir com esses questionamentos que se fazem tão necessários. Vou questioná-los e incomodá-los ainda mais.

Como lida com o governador Binho Marques, com o ex-governador Jorge Viana e com a senadora Marina Silva?

Não tenho nenhuma relação próxima com eles. Acredito que os governos, tanto do Jorge Viana quanto do Binho, fizeram algumas transformações significativas no Estado, principalmente em Rio Branco, a capital. Para o setor rural permanece a dívida, principalmente na área do extrativismo, que não tem ainda uma alternativa que garanta a subsistência com dignidade sonhada por Chico Mendes. Ninguém vive no mundo só pela alimentação, principalmente o ser humano. A gente tem vaidade e o que nos faz manter vivos e felizes é sonhar que o amanhã possa ser melhor. E esse amanhã só poderá ser melhor se a gente tiver a esperança de que vai ter uma geração de renda.


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