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Estamos calados, enquanto o STF viola prerrogativas. Um silêncio ensurdecedor da OAB. E agora, quem falará por nós?
Quinta-feira, 24 Abril de 2025 - 09:24 | Por Juacy dos Santos Loura Júnior

"Primeiro, vieram buscar os socialistas, e eu não disse nada porque não era socialista...". A advertência do pastor luterano Martin Niemöller, escrita após vivenciar os horrores do totalitarismo, é mais do que um lamento tardio - é um alerta atemporal sobre os perigos da omissão coletiva diante do avanço do autoritarismo. Cada silêncio diante de um abuso é um tijolo a mais no muro da arbitrariedade.
No último dia 22 de abril de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal praticou um desses abusos ao determinar, sem justificativa individualizada, a lacração dos celulares de advogados, jornalistas e até do deputado federal Marcel Van Hattem, durante sessão pública de julgamento. O motivo declarado: impedir gravações de ministros e servidores. O efeito real: violação das garantias profissionais da advocacia, da liberdade de imprensa e da transparência dos atos judiciais.
É preciso ser claro: prerrogativas profissionais não são privilégios pessoais, tampouco favores corporativos. São garantias institucionais essenciais para que o advogado possa atuar com independência técnica, em defesa de seus clientes diante do peso avassalador da máquina estatal. Quando o Estado fala por meio de seus juízes, promotores e autoridades, é a advocacia que se interpõe como escudo e voz do cidadão, lutando por um mínimo de paridade em um sistema estruturalmente desigual. Como ensina a Constituição Federal em seu art. 133, o advogado é indispensável à administração da Justiça.
Ao impedir o uso de celulares - ferramenta essencial à atuação contemporânea - o STF não apenas dificulta a prática profissional dos advogados, mas também compromete a própria noção de publicidade, garantida no art. 93, IX da Constituição Federal e reforçada no art. 367 do Código de Processo Civil, que estabelece como regra geral a publicidade dos atos judiciais, como audiências e sessões de julgamento.
Além disso, a decisão viola frontalmente o art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que assegura aos profissionais da área jurídica o direito de exercer sua função com independência, sem restrições arbitrárias por parte de autoridades públicas. A medida tomada pelo STF representa uma censura prévia e coletiva, absolutamente incompatível com os valores de um Estado Democrático de Direito.
Mais alarmante ainda é o sinal que esse ato emite para juízes de todo o Brasil. Se a Corte Suprema autoriza o cerceamento generalizado de direitos em nome da "ordem", o que impedirá que magistrados de primeiro grau passem a lacrar celulares em suas audiências, sufocando a advocacia e afastando o cidadão do processo?
A Ordem dos Advogados do Brasil - instituição com papel histórico na defesa da democracia - não pode calar diante desse retrocesso. É hora do Conselho Federal e das Seccionais, como a OAB Rondônia, se posicionarem com firmeza, adotando medidas judiciais, institucionais e políticas para estancar essa violação de garantias fundamentais.
Hoje, lacram o celular de um advogado, de um jornalista, de um deputado. Amanhã, lacrarão as vozes que ousarem questionar. E se ninguém reagir agora, talvez já não reste mais quem possa reagir depois.
Porque, como nos lembra Niemöller, quando finalmente vierem por nós, pode ser tarde demais.
*Juacy dos Santos Loura Júnior é advogado militante e ex-conselheiro federal da OAB