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Em Rondônia, um “Ninho” acolhe crianças e adolescentes vítimas de violência

Domingo, 07 Setembro de 2025 - 19:25 | Por Beatriz Galvão


Em Rondônia, um “Ninho” acolhe crianças e adolescentes vítimas de violência
Divulgação TJRO

Um lugar pensado para ser seguro, leve e cheio de acolhimento. É assim que funciona o Núcleo Institucional Humanizado de Oitivas (Ninho), um espaço criado pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) para ouvir crianças e adolescentes vítimas de violência.

O nome não é à toa: assim como um ninho de pássaros protege os filhotes, o setor existe para que meninos e meninas contem o que viveram com segurança e acolhimento, longe da pressão das audiências tradicionais.

De janeiro a agosto de 2025, o Ninho já foi cenário de 171 processos judiciais, com 206 crianças e adolescentes participando de depoimentos especiais (em alguns casos, mais de uma vítima ou testemunha depõe no mesmo processo). Os números revelam a importância de um serviço ainda pouco conhecido fora dos corredores da Justiça, mas essencial para garantir que cada criança seja ouvida com respeito e sensibilidade.

Como funciona o depoimento especial

O Ninho realiza o chamado Depoimento Especial, previsto na Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017). Funciona assim:

  1. Chegada ao espaço → A criança ou adolescente é recebida por uma psicóloga forense. Ela pode estar acompanhada por um adulto de confiança.
  2. Acolhimento inicial → Em uma sala colorida, com almofadas, brinquedos e poltronas, a psicóloga explica como tudo vai acontecer.
  3. A entrevista → O depoimento é feito em conversa tranquila, sem pressa, seguindo protocolos científicos que respeitam a idade da vítima.
  4. Transmissão segura → Enquanto fala, a criança não vê o juiz, promotor, advogado ou mesmo o acusado. O relato é transmitido ao vivo para a sala de audiência.
  5. Acompanhamento constante → Do começo ao fim, a criança é acompanhada pela psicóloga, que garante acolhimento e proteção emocional.
Em Rondônia, um “Ninho” acolhe crianças e adolescentes vítimas de violência
Juiz Flavio Henrique de Melo – Foto: Miguel Pacheco

“É fundamental que a vítima se sinta acolhida e não julgada. Muitas vezes, ela não se sente segura porque, em muitos casos, não acreditam nela, dizem que está inventando, e isso gera uma segunda violência. A vítima não tem que convencer ninguém. Ela deve apenas relatar, e as pessoas precisam dar crédito e investigar o que foi declarado. É essencial que o sistema acolha esse depoimento de forma isenta, sem julgar, mas apurando os fatos. O depoimento é não só importante, mas um ato extremo de coragem”, afirma o juiz Dr. Flávio Henrique de Melo, da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes.

 

Pipo e Fifi: monstrinhos parceiros do Judiciário

Um dos grandes aliados do Ninho é o livro “Pipo e Fifi”, da educadora sexual Caroline Arcari. A obra, premiada no Brasil e no exterior, foi criada para ensinar crianças, de forma lúdica e segura, a reconhecer situações de violência sexual. 

Nos encontros com esses monstrinhos coloridos e simpáticos, elas aprendem a diferenciar toques de afeto de toques abusivos, entendem noções básicas sobre corpo, sentimentos e emoções, e descobrem como pedir ajuda a um adulto de confiança em situações de perigo.

Em Rondônia, um “Ninho” acolhe crianças e adolescentes vítimas de violência
Pelúcias Pipo e Fifi– Foto: Miguel Pacheco

No Ninho, esses personagens também aparecem em forma de pelúcia e viram aliados importantes durante as escutas. Muitas vezes, é apontando nos bonecos que as crianças conseguem mostrar onde sofreram um toque indevido ou representar situações difíceis de explicar apenas com palavras.

Pipo e Fifi não foram criados como personagens humanos. Justamente por serem monstrinhos, não despertam lembranças traumáticas nem associam o abuso a rostos reais, o que torna o depoimento menos doloroso para a criança.

De sala simples a núcleo especializado

O serviço começou em 2018 em uma sala da Vara da Infância, mas em 2019 ganhou nome e identidade própria: Ninho. Dois anos depois, passou a ter uma estrutura maior no Fórum Geral César Montenegro, em Porto Velho.

Além da capital, o atendimento já chegou a Extrema e Itapuã do Oeste, por meio dos Fóruns Digitais, o que garante mais acesso às vítimas do interior. Agora, o TJ-RO também levou o Ninho para dentro do seu aplicativo oficial. No celular, é possível:

  • Fazer um tour virtual pelo espaço;
  • Conferir orientações práticas para a audiência;
  • Acessar lista de serviços psicológicos gratuitos;
  • Entrar em contato direto com a equipe do Ninho pelo WhatsApp.

Esse recurso permite que as famílias conheçam o ambiente com antecedência e se sintam mais seguras no dia da audiência.
 

Em Rondônia, um “Ninho” acolhe crianças e adolescentes vítimas de violência
Divulgação TJ-RO

Por que isso importa?

Casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ainda são cercados de medo e silêncio. Muitas vítimas passam anos sem conseguir contar o que aconteceu.

“Interromper e quebrar essa ação de violência é responsabilidade de todos, dos pais em casa, da escola, dos professores, orientadores, conselhos tutelares, secretarias municipais e estaduais, da polícia. Ainda que não consigamos prevenir, quando tomamos conhecimento, temos um papel altamente humano e acolhedor. E preventivamente, é preciso divulgar, fazer campanhas, ações, massificar isso. Mas acima de tudo, o sistema tem que estar preparado para acolher. Não adianta divulgar se, ao chegar no sistema, a vítima se sente violada. Ela não vai se sentir segura para denunciar”, afirma o juiz Flávio Henrique, da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes.

Com o Ninho e ferramentas como Pipo e Fifi, Rondônia mostra que é possível unir Justiça e psicologia para proteger a infância com respeito, cuidado e humanidade.

Rondoniagora.com

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