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Justiça de Rondônia une acolhimento e prevenção para proteger crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais
Domingo, 07 Setembro de 2025 - 19:35 | Por Aline Rodrigues

A denúncia recente do youtuber Felipe Bressanim, o Felca, reacendeu um alerta no Brasil: a exposição e a adultização precoce de crianças e adolescentes no ambiente digital. O vídeo de 50 minutos, que viralizou nas redes, gerou um aumento de mais de 100% nas denúncias de crimes sexuais em poucos dias, segundo a Safernet. Diante desse cenário, surge a pergunta: como a Justiça atua, na prática, para proteger as vítimas?
Em Rondônia, o Tribunal de Justiça (TJRO) tem desenvolvido uma série de iniciativas que unem inovação, acolhimento e prevenção.
Vítima ouvida e validada
O depoimento de uma criança pode ser decisivo para romper ciclos de violência. Por isso, para garantir que crianças e adolescentes vítimas de violência sejam ouvidas com segurança, o Tribunal de Justiça de Rondônia investe no acolhimento especializado, segundo o juiz Dr. Flávio Henrique de Melo, titular da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes.
“A comunicação do fato é altamente importante, porque permite romper a cadeia da violência. O sistema precisa acolher a vítima de forma isenta, sem julgamentos, para que ela se sinta segura em denunciar. Quanto mais rápido acontecer, menor é o risco de reiteração do crime”, explica.
O TJRO garante que o depoimento das vítimas seja feito de forma humanizada, com acompanhamento de psicólogo, evitando que elas precisem reviver o momento traumático diversas vezes durante o processo judicial.
Ação conjunta com outros órgãos
O combate aos crimes digitais não é uma tarefa de único setor. O juiz explica que o trabalho envolve Polícia Civil, Polícia Federal, Ministério Público, Conselho do Tutelar e escolas em uma atuação conjunta para investigar os autores e proteger as vítimas.
“O trabalho de investigação é complexo, porque muitos criminosos usam perfis falsos. Mas, com a atuação conjunta é possível cruzar informações e identificar os autores, garantindo que a Justiça atue com segurança”, destacou o juiz.
Essas articulações garantem que denúncias sejam rapidamente transformadas em ações preventivas e repressivas, interrompendo ciclos de violência e exploração sexual infantil. Entretanto, o maior desafio é que a vítima tenha coragem de denunciar, muitas vezes ela é coagida ou reviver o ocorrido é traumatizante. É justamente para enfrentar esse desafio que o TJRO desenvolveu iniciativas que unem acolhimento e humanização, como Núcleo Institucional Humanizado de Oitivas.
Ninho, Fifi e Pipo: acolhimento na prática

Um dos principais exemplos de inovação é o Ninho (Núcleo Institucional Humanizado de Oitivas), um espaço criado para que crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência prestem depoimento especial em um ambiente seguro e acolhedor. O nome, além de ser a sigla, foi pensado para transmitir exatamente essa ideia de proteção, como em um ninho de pássaros, onde se busca segurança e cuidado.
As vítimas ou testemunhas são acompanhadas por profissionais psicossociais e só precisam falar à justiça uma vez, sem a necessidade de participar de uma audiência judicial convencional.
O Ninho também utiliza os personagens Fifi e Pipo, criados para educar sobre violência sexual contra crianças e adolescente por meio de linguagem adequada e acessível à idade. A ideia é levada a diversas cidades do estado, garantindo atendimento e proteção mesmo fora da capital.
Campanhas em escolas e distritos
Prevenir também é proteger, por isso o TJRO realiza campanhas educativas voltadas para crianças, adolescentes e comunidade escolar. A ação busca conscientizar sobre os riscos da exposição digital e da sexualização precoce, promovendo debates e orientações sobre direitos de infância e juventude.
O objetivo é criar uma cultura preventiva, em que crianças, adolescentes e adultos saibam identificar situações de risco e buscar ajuda imediatamente.
Orientações aos pais

Nenhuma criança é responsável pela violência que sofre, mas a prevenção pode começar dentro de casa. Os pais precisam estar atentos, tanto para identificar sinais de alerta quanto para monitorar o uso de telas. Pensando nesse aspecto, a psicóloga e neuropsicóloga Elizete Gonçalves Silva ressalta que a proteção no ambiente digital depende, sobretudo, da atuação consciente dos adultos responsáveis.
“Os pais precisam monitorar o uso de telas, controlar o tempo que os filhos ficam no celular, o tipo de conteúdo que consomem e aplicar o controle parental, que são os aplicativos que controlam o que os filhos podem ou não mexer. Crianças devem brincar, se desenvolver e conhecer o mundo real antes de se expor a ambientes virtuais”, destacou Elizete.
Ela alerta ainda para os impactos da sexualização precoce, que muitas vezes está ligada justamente ao excesso de exposição digital.
“A exposição excessiva afeta a autoestima e distorce a percepção que a criança tem do próprio corpo. Crianças sexualizadas cedo podem enfrentar relacionamentos abusivos e desenvolver ansiedade ou outros transtornos emocionais. E passa também a trazer prejuízos, principalmente, para a identidade da criança, que fica distorcida entre aquilo que ela vive e é, e entre o que idealmente está sendo levada a querer ser em ambiente virtual ”, explica.
Essa preocupação também se estende ao hábito comum de compartilhar fotos e momentos da vida dos filhos nas redes sociais. Para Elizete, esse compartilhamento pode acontecer, mas precisa ser feito de forma monitorada e consciente, respeitando o direito à privacidade da criança.
“Os pais podem registrar e compartilhar momentos de rotina, mas sem expor a intimidade. Fotos no banho, na piscina ou em situações de vulnerabilidade não devem ser publicadas. O ideal é que o compartilhamento envolva a família de maneira geral, sem colocar a criança no centro da exposição”, orienta.
No fim, o que está em jogo não são números nem relatórios. É a infância que se perde em cada clique forçado, em cada silêncio imposto. É o olhar de uma criança que deveria estar descobrindo o mundo com curiosidade, e não com medo.