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Edirlei Souza

Eleições 2026 e o afrouxamento da Lei da Ficha Limpa

Segunda-feira, 08 Setembro de 2025 - 08:50 | Edirlei Souza


Eleições 2026 e o afrouxamento da Lei da Ficha LimpaA Lei Complementar n. 64/1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades, nasceu como um marco regulatório essencial para preservar a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato eletivo, na exata dicção do que dispõe o §9º do art. 14 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Desde sua edição, buscou equilibrar o princípio democrático da liberdade de escolha do eleitor com a necessidade de impedir que candidatos condenados por condutas danosas à sociedade ou que praticassem abusos com a coisa pública chegassem ao poder.

Com o passar do tempo, a norma sofreu mudanças significativas, refletindo diferentes momentos da política brasileira. Entre avanços e retrocessos, essas alterações impactaram diretamente a representatividade política e a credibilidade das instituições.

*1990: a origem da Lei das Inelegibilidades*

Na esteira da CF/88, a LC n. 64/90 estabeleceu um conjunto de situações que impediam a candidatura de pessoas que atentassem contra valores democráticos. O espírito era claro: proteger a sociedade contra práticas abusivas, preservando o mínimo ético exigido da vida pública.

Contudo, à época, as hipóteses de inelegibilidade ainda eram tímidas, o que levou a críticas de que a lei não impedia, na prática, que políticos envolvidos em ilícitos permanecessem na disputa.

*2010: o endurecimento da Ficha Limpa*

Diante da pressão social, nasceu a Lei Complementar n. 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, fruto de iniciativa popular com mais de 1,5 milhão de assinaturas. Essa reforma endureceu as regras: ampliou hipóteses de inelegibilidade, alongou o prazo de afastamento da vida pública e fortaleceu o combate à corrupção eleitoral.

A mudança foi recebida como um divisor de águas. Ao mesmo tempo em que retirava do cenário eleitoral políticos condenados por tribunais, também levantava debates sobre o risco de restringir em excesso o direito de candidatura, com o consequente decreto da morte política de uma pessoa, criando tensões entre os princípios da presunção de inocência, proibição de penas de caráter perpétuo e moralidade administrativa para o exercício de mandatos.

*2025: O afrouxamento aprovado pelo Congresso*

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar n. 192/2023, que altera de forma significativa a Lei da Ficha Limpa. Caso sancionado e publicado até o dia 04/10/2025, valerá para as eleições de 2026, em respeito ao princípio da anualidade eleitoral (art. 16 da CF/88).

O ponto mais sensível da flexibilização está na forma do cômputo do prazo de 8 anos de inelegibilidade. Hoje, esse período é contado após o cumprimento da pena ou do fim do mandato que era ocupado pelo envolvido. 

A partir da proposta aprovada no Legislativo, o prazo passará a ser contado a partir da decisão colegiada que gera a inelegibilidade ou que afastou a pessoa do mandato, o que, na prática, poderá reduzir drasticamente o tempo de afastamento do direito de ocupar um cargo eletivo.

Para não enterrar de vez a essência da norma aprovada em 2010, o Congresso resolveu manter uma maior rigidez para os condenados por crimes considerados graves (Exemplo: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, homicídio, contra a dignidade sexual e contra a administração pública).

Outro ponto importante que vai garantir a participação na eleição de quem está afastado cumprindo a “pena de afastamento da política” é quando o encerramento do prazo de inelegibilidade ocorrer até a diplomação. Pela regra atual, o marco para garantir a candidatura é o prazo final da inelegibilidade ocorrer até o dia da eleição (Súmula 70 do TSE).

Defensores da proposta alegam que a mudança evita que cidadãos fiquem alijados da disputa por prazos que se estendem além do razoável. Críticos, por outro lado, entendem que a flexibilização abre caminho para o retorno precoce de políticos marcados por condenações e práticas condenáveis pela sociedade, enfraquecendo o legado da Ficha Limpa.

*Ponto de equilíbrio no perfil da representatividade política*

A trajetória da Lei das Inelegibilidades espelha o embate entre o rigor ético e amplitude democrática. Se, em 2010, a sociedade escolheu o endurecimento como resposta ao clamor por moralidade, agora se vê diante de um movimento em sentido inverso, que flexibiliza regras e reduz prazos.

O efeito direto dessa mudança será sentido na composição da representatividade a partir de 2026. É fato que haverá uma guinada no processo eleitoral, reduzindo o alcance da Lei de Ficha Limpa e recolocando em disputa atores políticos antes excluídos. Resta saber se esse novo desenho fortalecerá a democracia ou, ao contrário, corroerá a confiança popular nas urnas e nas instituições púbicas.

* Edirlei Souza. Advogado. Palestrante. Professor. Especialista em Direito Eleitoral, Servidor Público e Comunicação Pública. Foi servidor do TRE/RO por mais de 16 anos.

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