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A História de uma pioneira, a princesinha do km 13,5

Terça-feira, 15 Dezembro de 2020 - 09:22 | por Lourismar Barroso


A História de uma pioneira, a princesinha do km 13,5
Raimunda da Silva Lima e seus filhos Luiz Carlos e Lúcia Regina

Não vai não, fica mais um pouquinho! (Gelcina)
Raimunda da Silva Lima Barroso, nascida em 15 de dezembro de 1943, em um lugar chamado REMA, registrado em sua RG como pertencente ao distrito de Jaci Paraná no interior de Rondônia, o lugar atualmente é conhecido como Pedreira do 5º BEC. Filha de Benedito Farias de Lima e Rosaura Aleixo da Silva, ambos trabalharam como soldados da borracha nos seringais de Rondônia.

Nascida em uma família composta por 10 irmãos, antes de nascer, já houve a primeira discussão quanto ao nome que levaria para o resto de sua vida. Seu Pai Benedito desejava chamá-la de Gelcina, já a sua mãe Rosaura queria chamá-la de Raimunda. Mesmo sendo contrariado pelo pai, a recém-nascida foi registrada como Raimunda, mas nunca deixou de ser Gelcina para todos que lhe conheceram, nome que está eternizada na memória de todos.

Detentora de uma pele clara, nariz e rosto bem afinado, cabelos sedosos e bem cuidado, Gelcina chamava atenção por onde passava. Com seu andar de menina moça e meiga, uma “Princesinha do Km 13,5”, era assim que todos rapazes comentavam pela redondeza.

O nome “princesa” era uma referência dada a uma moça que habitava em lugar afastado da cidade, na zona rural, longe de tudo e de todos, uma sorte que foi gerada pelo tempo.

Todos os domingos pela manhã, a “princesinha” acordava cedo, vestia seu principal vestido de chita florado, a beleza da flor estampada no pano, contrastava e confundia com a delicadeza estampada no rosto daquela menininha, meiga e carinhosa. Arrumava as coisas e acompanhava sua mãe

Rosaura na montagem da banca que tinha do lado de fora do Mercado Municipal, ali passava a maior parte do tempo vendendo o que eram produzidos na roça.

A História de uma pioneira, a princesinha do km 13,5
Mercado público de Porto Velho

Ao completar 14 anos, fora entregue a um casamento arranjado pelo seu Pai Benedito, como não possuía idade para se casar, foi preciso tirar um outro documento, assim tornava-se apta para o matrimônio que durou pouco tempo. Após a sua primeira gestação com seu respectivo marido “Manoel”, quando a criança estava com 2 anos de nascido, veio a falecer por complicações respiratórias, sendo enterrado no Cemitério dos Inocentes em Porto Velho.
Com o falecimento do seu primeiro filho, o casamento foi desfeito e ambos seguiram caminhos opostos.

Após o primeiro casamento não ter dado certo, em 1963 conheceu o boêmio Luiz Barroso, seresteiro e galanteador das noites de Porto Velho, que sempre andava com um violão debaixo dos braços para impressionar as garotas. Dono de uma voz suave e de uma batida nas cordas do violão, Luiz logo passou a impressionar e cair nas graças da futura esposa.

Certo dia, quando Gelcina foi visitar dona Francisca Benarroch no bairro Mocambo, da janela tinha a visão para uma estância (dormitório) com vários quartos, ali Luiz Barroso passava o dia tocando e afinando seu violão e a voz, sentado em um banquinho na porta do seu quarto, que dava de frente pra rua. A troca de olhares foi decisivo para uma paquera futura. Sempre com ar de galanteador e com seu violão debaixo dos braços, começaram a flertarem por longos dias.

Como Gelcina morava na Rema e vinha na cidade vez outra, Luiz Barroso passou a visita-la no Km 13,5. Pedia autorização do senhor Moisés Berlamindo, natural de Monence (AM), funcionário responsável pela EFMM para usar a cegonha que servia como meio de transporte. Todas às vezes, pegava a cegonha e andava até o km 13,5, lá chegando, tirava a mesma do trilho e guardava no acostamento.

Dessa aproximação, começou um namoro que chegou até os dias atuais, com seus 59 anos de matrimônio. Gelcina notou que o galanteador Barroso só possuía uma calça, era uma espécie de bate/enxuga.

Da união com Luiz Barroso, vieram os filhos: Luiz Carlos (Perema); Lúcia Regina (Bolívia); Luiz Gonzaga (Problema); Álvaro Luiz (Dedo); Luiz D’Ávila (Alemão) e Lourismar (Louro). Com o passar do tempo acabou adotando como filho/neto: Leide Daiane – Luciano e Apolo.

Nem tudo em sua vida foi flores, a família passou por momentos bem difíceis, a começar pelo fato de Luiz Barroso na época bebia muito e quando chegava em casa, colocava música alta e passava a fazer confusão, o “couro comia” (peia) nos filhos.

No fundo, no fundo todos sabiam que era o efeito da cachaça que transformava aquele nobre rapaz, seu temperamento agressivo, sua crueldade e suas bebedeiras trouxeram sofrimento e constrangimento para a família. As marcas que foram vividas e deixadas pelo passado são relembradas agora no presente de forma melancólica, uma lembrança amarga e distante de qualquer realidade. Apesar da criação ter sido de forma não condizente com a atual, onde os pais de hoje não podem dá uma palmada para corrigir seus filhos, nós somos gratos pelos castigos sofrido como forma de correção, pois somos filhos e pais de famílias com caráter e hombridade, graças ao velho ensinamento.

Para ajudar na renda familiar, Gelcina começou a fazer pastel e colocou seu filho mais filho velho Carlinho (Perema) para vender na rua. A vasilha que carregava o salgado, era um charão preto de forno de fogão. Além de vender pastel e banana frita madura, Carlinho também ganhava alguns trocados prestando serviço para as mulheres solteiras que morava no Simplício, uma espécie de casa noturna. Carregava água e também lavava os quartos pra elas.

Carlinho, o filho mais velho, vendedor de pastel e banana frita madura, saia todas as tardes depois das 14h e retornava no final da noite feliz por ter vendido tudo, além de vender os salgados, lavava carro na beira do caxiri para ganhar uns trocados. Sua mãe mandava vender o salgado por 1 cruzeiro e ele o revendia por 2. Até que um dia sua mãe o descobriu, daí passou a vender por 2 cruzeiros. Seu principal freguês era o senhor Lili, um alfaiate que tinha na cidade de Humaitá. Hoje ele se recorda que andava 14 km por dia com um charão que pesava 3 quilos em seu ombro.

O ponto que mais gostava de vender seus pasteis era o acampamento da empresa Gutierres, passando pelo Club da Dona Bárbara (vulgo inferninho), uma boate que ficava afastada da cidade, onde era frequentada por mulheres solteiras, seguia para o João de Barro, entrava no Taboquinha e no Simplício, concluía sua venda no Bem Apertadinho.

Suas vendas estavam concentradas nos bregas, pois tinha vergonha de ficar na frente do Colégio Oswaldo Cruz e do Patronato Maria Auxiliadora, pois as meninas de lá eram muito bonitas, com suas fardas jardineira de cor azul.

A História de uma pioneira, a princesinha do km 13,5
Simulação de um vendedor de DinDin

Já o campeão da venda de Din-Din foi o Luiz D’Ávila (Alemão), com sua caixa de isopor cheia, voltava várias vezes em casa para reabastecer em tempo de jogo no estádio municipal de Humaitá.

Muitas vezes, Alemão apostava Din-Din jogando futebol na quadra dos padres que ficava atrás da catedral, pode ter certeza, ele ganhava todas as apostas.

Os anos se passaram e Gelcina conseguiu emprego no governo do estado do Amazonas no cargo de ASG, depois migrou para Merendeira Escolar. Ao mesmo tempo que Luiz Barroso conseguiu emprego na SUCAM, ambos ficaram no cargo até a sua aposentadoria.

Gelcina dizia que quando morava na Rema, por diversas vezes ouvia a Matinta Pereira cantar nos galhos das árvores, esse pássaro é conhecido também como Rasga Mortalha, uma espécie de anuncio da morte.

Com os passar dos anos, Gelcina se tornou uma praticante do catolicismo, sua fé é tão grande que por diversas vezes deu sinal de comprometimento para seus anjos e santos no qual tem devoção, como a Imaculada Conceição – Nossa Senhora das Graças e a herança deixada por sua mãe, a de Nossa Senhora Aparecida.

A História de uma pioneira, a princesinha do km 13,5
Em destaque no fundo da foto, temos o Alemão com sua caixa de isopor.

Pertencente a irmandade do “Apostolado Coração de Jesus”; “Apostolado da Oração”, da igreja Católica Apostólica Romana, que tem como objetivo ajudar os mais necessitados, tanto por bens materiais como espirituais. Suas amigas dividem as tarefas do dia a dia na igreja e seguem com fé existente em Nosso Senhor Jesus Cristo.

No ano de 1989, por intermédio de uma conhecida, foi convencida em fazer um exame de prevenção no HB. Ao chegar no local, a amiga não compareceu e para não perder viagem, resolveu fazê-lo.

Depois de alguns dias, chega o resultado do preventivo confirmando que estaria com Câncer no Útero. O desespero tomou conta da família.

Por ser fiel à sua crença e as suas orações, se aproximou ainda mais de Nossa Senhora Imaculada Conceição e de Nossa Senhora das Graças, as orações que foram direcionadas ajudaram no tratamento da doença, vencendo mais esse obstáculo em sua vida.

Se eu tivesse que definir Gelcina, definiria como uma guerreira Amazônida, uma espécie de índia que queimava os seios todas as vezes que ia usar o arco e a flecha. Corajosa, guerreira e determinada. Nesse caso, seus principais instrumentos é o terço e as orações que aprendera com sua mãe.

O tempo foi passando e as lágrimas da vida vieram aparecendo, primeiro com a perda de seu pai Benedito Farias, depois seu irmão Berto, logo em seguida sua mãe Rosaura e por último em 2020, o seu irmão Raimundo (Nôgo), vítima da covid-19.

Em 2015, Gelcina deu entrada na UTI dos hospitais. Seus problemas de saúde foram se agravando quando descobriu que adquiriu uma diabete, essa doença a cada dia vem comprometendo sua visão, a ponto de dizer que em alguns casos consegue ver somente vulto. A pressão alta foi outro fator adquirido com o tempo. Mas, o mais preocupante no momento, são seus rins, que deixa seu corpo inchado, parece que os mesmos não estão fazendo sua função, o de bombear.

Recentemente Gelcina enfrentou mais um obstáculo em sua vida, deu entrada na UTI do Cemetron, no dia 27 de novembro, testou Covid-19 positivo, sua pressão aumentou, sua respiração era fraca e ofegante, sua saturação era 85. O quadro clínico preocupou a equipe médica que entrou com tratamento contra a Covid, depois foi transferida para o SAMAR para continuar o tratamento. Hoje a mesma respira sem uso de aparelho, responde bem o tratamento, senta na beira da cama, conversa e começou a fazer a Hemodiálise.

Para Gelcina, seus santos e anjos estão sempre em prontidão para ajudá-la. Como ela sempre mesma diz: “ainda não estou preparada para ir, assim que tiver, Deus irá me levar e irei com maior prazer para se juntar aos meus entes queridos que foram primeiro, por enquanto não”.

Certo dia, conversando com seu filho mais novo, a mesma externou:” Eu não quero ir agora não, eu sei que um dia todos nos iremos partir, mais eu quero partir quando essa pandemia passar, para que todos os meus amigos (as) possam vir se despedir de mim, é o que estou rezando para nosso senhor Jesus Cristo me dá essa oportunidade”.

A história da Princesinha do Km 13,5 foi contada por minha mãe Gelcina em um dia de alegria quando estávamos reunidos na varanda de casa, quando começou a relembrar o passado. Dava para ver a expressão fisionômica em seu rosto quando se dirigia a sua memória. Parecia que estava revivendo aqueles momentos.

Isso daqui não é um conto de fadas, mesmo se tratando da história de uma “Princesinha”. Isso aqui é vida real.

Mãe é o ser mais sagrado que Deus nos deu, então preserve-a.


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