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O planejamento que não planeja: o PPA de Porto Velho e a política do futuro adiado
Quarta-feira, 15 Outubro de 2025 - 16:06 | por Dalmo Luiz Roumiê da Silveira e Alan Almeida do Amaral

Análise crítica do Plano Plurianual (PPA) 2026–2029 da Gestão Léo Moraes revela uma subestimação fiscal deliberada, ausência de investimentos em infraestrutura e um projeto de cidade que prioriza a propaganda em detrimento do desenvolvimento social.
O Plano Plurianual (PPA) 2026–2029 do Município de Porto Velho, sob a gestão do prefeito Léo Moraes, foi protocolado na Câmara Municipal via Ofício Nº 207/2025 em 29 de setembro de 2025, apresentado como o grande instrumento de planejamento estratégico.
Mas, ao examinar suas planilhas, percebe-se um documento mais preocupado em administrar o presente do que em construir o futuro. Em uma capital que ostenta um déficit de saneamento básico superior a 80% e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) estagnado, o PPA 2026–2029 se configura como um plano formalmente correto, mas tragicamente vazio.
📉 A ilusão da prudência fiscal
O PPA estima uma despesa total e receita de R$ 11,4 bilhões para o quadriênio, o que representa uma média anual de R$ 2,85 bilhões — valor que, em termos reais, é inferior à receita arrecadada em 2024 (R$ 2,87 bilhões, conforme o diagnóstico fiscal do próprio plano).
O Município projeta o futuro com base em números do passado. Não há crescimento nominal, nem ajuste inflacionário, nem ampliação prevista da base tributária. O resultado é um planejamento congelado no tempo, que mascara a estagnação sob o pretexto da prudência fiscal.
A prática da subestimação de receitas — típica de administrações populistas e conservadoras — produz o conforto político de superávits artificiais. Esse superávit não representa eficiência: é apenas o reflexo de um orçamento subavaliado, um equilíbrio das contas obtido às custas do atraso social.
⚙️ Custeio, não investimento: a prioridade da máquina
O PPA não apenas subestima a capacidade de receita, como revela a prioritária destinação da despesa para a manutenção da máquina. A estrutura de receita prevista já evidencia o desinteresse por grandes projetos:
Do total de R$ 11,4 bilhões em receitas previstas, R$ 11,3 bilhões são classificadas como Receitas Correntes (utilizadas principalmente para custeio).
Apenas R$ 75 milhões estão previstos como Receitas de Capital (que financiam os investimentos e grandes obras).
O planejamento destina a vasta maioria dos recursos para manter as estruturas existentes (Despesa de Custeio), e não para realizar a transformação urbana, caracterizando a escolha deliberada pelo "equilíbrio da inércia".

🧮 As consequências de planejar para baixo
O Eixo Cidade: Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável Municipal (E2) revela uma alocação orçamentária focada em manutenção e acompanhamento.
A dotação para obras de Macrodrenagem (R$ 686 mil/ano) e Microdrenagem Urbana (R$ 330 mil/ano) são irrisórias e incompatíveis com qualquer projeto de saneamento de porte. A alocação de recursos em ações estruturais do Eixo Cidade representa uma fração infinitesimal (próxima de 0%) da despesa total de R$ 11,4 bilhões.
🧾 Alguns Exemplos extraídos do PPA 2026–2029
(Anexo I – Programas da SEMINFRA)
Programa | Ação (código) | Descrição no PPA | Dotação anual estimada | Comentário técnico |
---|---|---|---|---|
096 – Saneamento Básico e Urbanismo | 569 | Acompanhamento e implementação do PMSB | R$ 1.108.791,00 (total quadriênio) | Ação administrativa; não prevê obras. |
096 – Saneamento Básico e Urbanismo | 832 | Manejo de Águas Pluviais / Macro e Microdrenagem | R$ 686 mil/ano | Dotação irrisória e incompatível com macrodrenagem. |
154 – Infraestrutura Urbana | 145 | Manutenção da Malha Viária Pavimentada | 35 a 40 km/ano | Foco em conservação, sem expansão de vias estruturais. |
154 – Infraestrutura Urbana | 081 | Microdrenagem urbana | R$ 330 mil/ano | Valor incompatível com obras de drenagem estrutural. |
🛑 O "Caráter Referencial": ausência de compromisso
A credibilidade do planejamento é enfraquecida pela nota de rodapé no próprio projeto de Lei do PPA, que afirma que os valores financeiros possuem caráter referencial, sujeitos a adequações anuais. Esta prerrogativa permite que a gestão trate as metas como sugestões.
Especificamente no Anexo VI (Orçamento Criança Adolescente), o texto usa a mesma prerrogativa para programas de Proteção à Primeira Infância, demonstrando que a falta de compromisso financeiro não afeta apenas obras, mas também a execução de direitos sociais.
🧩 Populismo orçamentário e propaganda política
A escolha de subestimar receitas e evitar compromissos com obras estruturantes é profundamente política.
Enquanto o slogan da gestão é "Vamos juntos transformar a nossa Porto Velho", o PPA ironicamente sugere que a prefeitura vai, no máximo, monitorar a transformação, com um orçamento que não se move para o futuro. O planejamento é de quem tem interesse apenas na próxima eleição, e não no próximo século.
É o comportamento de quem se satisfaz com a imagem de gestor “responsável”, mas carece da visão de um grande projeto de cidade. O PPA, sem ambição nem ousadia, revela um gestor que não tem raízes na capital e que trata o desenvolvimento como risco político a ser evitado.
🏛️ O Dever de Fiscalizar: Um Chamado à Câmara de Vereadores
Diante da falta de ambição e da fragilidade técnica e orçamentária do PPA, a Câmara de Vereadores de Porto Velho detém a obrigação constitucional de aprofundar a análise e buscar as adequações necessárias ao projeto.
O planejamento orçamentário e o Direito Financeiro não são temas secundários; são cruciais para a consecução de direitos fundamentais e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. É fácil criticar sem embasamento e mais fácil ainda não mudar nada por falta de substância.
Aos detentores de mandatos eletivos e fiscais da coisa pública, o momento exige:
Aprofundamento Técnico: Que a análise do projeto de lei, extenso e árido, seja conduzida com o rigor que o Direito Financeiro exige.
Busca por Assessoria Externa: Caso o corpo técnico da Câmara não possua o conhecimento específico em Direito Orçamentário para reverter a inércia fiscal e promover as emendas necessárias, é vital que se socorram de consultorias e assessorias externas qualificadas.
Esta é a única forma de garantir que o PPA reflita a real capacidade financeira do Município e que as metas de investimento em saneamento, infraestrutura e áreas sociais sejam, de fato, vinculantes e realizáveis.
🌱 Um futuro sem raízes
Quando o poder público escolhe um PPA conservador e não representativo da realidade econômica, ele trai a finalidade precípua do planejamento público e fere mortalmente todo o ciclo orçamentário (PPA, LDO e LOA).
Um PPA que não projeta crescimento, que não define metas estruturantes e não incorpora o futuro à sua matriz de investimentos não é plano — é planilha, que contraria o princípio da continuidade administrativa e trai o objetivo principal do planejamento público (Art. 165 da Constituição Federal).Porto Velho precisa de um planejamento que ouse crescer e com visão de longo prazo, que enfrente o déficit de infraestrutura e que trate o futuro como prioridade, capaz de traduzir o discurso político em obra pública efetiva.
✒️ Dalmo Luiz Roumiê da Silveira e Alan Almeida do Amaral são addvogados | Roumiê Amaral Advocacia e Consultoria
🏛️Palavras-chave: #PPA #LéoMoraes #PortoVelho #GestãoPública #PlanejamentoMunicipal #InfraestruturaUrbana #Saneamento #InérciaFiscal #RoumiêAmaral
📘 Resumo técnico
O PPA 2026–2029 de Porto Velho prevê R$ 11,4 bilhões em receitas e despesas, com média de R$ 2,85 bi/ano, equivalente à receita de 2024 (R$ 2,87 bi).
Apenas R$ 75 milhões são Receitas de Capital, evidenciando o foco em Custeio. Programas de saneamento (096) e infraestrutura (154) limitam-se a ações de manutenção e acompanhamento, sem obras de porte ou metas estruturantes.
A dotação para obras estruturais é ínfima, beirando a zero. Além disso, o documento alega que os valores são de caráter referencial, fragilizando o compromisso com a execução de metas, exigindo a profunda fiscalização e adequação por parte da Câmara de Vereadores.