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Contradição federal

Segunda-feira, 29 Agosto de 2011 - 13:45 | Cândido Ocampo


Baseado no artigo 17 da Lei nº 3.268 de 30 de setembro de 1957, o Conselho Federal de Medicina fincou posição no sentido de que o médico devidamente inscrito no seu Conselho Regional está apto ao exercício da medicina em qualquer especialidade, independentemente de possuir titulação (ex: pareceres/CFM 28/87; 27/95; 08/96; 21/10). Esse entendimento vem sendo reiterado ao longo de décadas através de vários pareceres devidamente aprovados pela Plenária do órgão federal de classe, inclusive em 2011.



Paralelamente a esse posicionamento, há algum tempo, mormente após a publicação da Resolução CFM nº 1.634/2002, que dispões sobre o convênio de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina - CFM, a Associação Médica Brasileira – AMB e a Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM (órgão pertencente ao Ministério da Educação), o CFM vem baixando resoluções exigindo título de especialista àqueles profissionais que praticarem determinados atos. Citemos como exemplos as Resoluções nº 1.711/2003 e nº 1.766/2005 (alterada pela Resolução 1.942/10). A primeira, que estabelece parâmetros de segurança que devem ser observados nas cirurgias de lipoaspiração, exige para execução do procedimento que o médico tenha “habilitação prévia em área cirúrgica geral”. A segunda, que normatiza o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, exige na equipe, dentre outros profissionais, “cirurgião com formação específica”.

Hodiernamente se mostra de todo razoável exigir que a prática de cada uma das especialidades médicas só deve ser exercida por aquele profissional que detenha o respectivo título. Essa exigência, dentre outras causas, deve-se aos avanços científicos e tecnológicos que progressivamente têm aumentado o campo de trabalho médico, com tendência a determinar o surgimento contínuo de especialidades. Por outro lado, a evolução da ciência médica exigiu dos profissionais a escolha de áreas de atuação onde o aprofundamento do conhecimento permita uma maior qualificação profissional e, em consequência, uma melhor assistência ao paciente. Não há como negar que a medicina subdividiu-se em campos restritos, onde os médicos se auto-limitam dedicando-se a áreas específicas. 

Em última análise, a especialização é uma conquista da sociedade que exigiu dos médicos um maior conhecimento científico. No serviço público, o Judiciário, sob o albergue do princípio constitucional da eficiência, pacificou entendimento que para ingresso no cargo de médico em qualquer especialidade, o candidato há de ser possuidor de titulação.  Diante dessa nova realidade, bem diversa daquela que se apresentava em meados do século passado, não pode um órgão normatizador e fiscalizador de tão nobre e complexa profissão continuar regulamentando em uma direção e orientar em outra. E nem se diga que não há antinomia nas posições do CFM sob o argumento de que pareceres não têm caráter normativo, mas apenas orientativo. Esquecem esses que antes de impositiva as regulamentações administrativas são intrinsecamente orientadoras.

Por outro norte, para o médico um parecer oficial do CFM se impõe como verdadeira “lei”. Está passando da hora do Conselho Federal, nesse particular, interpretar a vetusta Lei em contexto com a nova ordem tecnológica e científica que inexoravelmente se apresenta e se valer de todo arcabouço normativo pátrio a seu dispor, processo lógico que mais se coaduna com a moderna hermenêutica jurídica. Irrazoável que no atual estágio técnico-científico da medicina se albergue posição generalista, defendendo a ampla e irrestrita atividade profissional, independente de qualificação especializada.

Cândido Ocampo, advogado atuante no ramo do Direito Médico.

candidoofernandes@bol.com.br

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