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Monumentos à incapacidade

Sexta-feira, 25 Abril de 2014 - 09:58 | Cândido Ocampo


Monumentos à incapacidade

“Mais que nunca, a educação é uma dramática corrida entre a prosperidade e a catástrofe”, do economista americano Paul Krugman. 

Nessa semana foi divulgado na imprensa que o governo federal vai “tentar” reiniciar as obras dos viadutos (que são, na verdade, meros elevados), com o início de novo procedimento licitatório.



Refiro-me aos dois monstros sem rosto, localizados no trevo do Roque e na confluência da rodovia 364 com a av. Campos Sales, em Porto Velho. Obras que viraram ruínas antes mesmo de serem concluídas.

Depois de muito refletir, cheguei à conclusão que o mais interessante seria os nossos gestores públicos não concluírem as referidas obras.

Penso que o melhor seria construir duas redomas de vidro e conservar aqueles ciclopes da infâmia para que as gerações futuras possam saber o quanto nossa sociedade estava em estado avançado de putrefação moral.

Não há dúvida de que o aprendizado seria enorme. Imagine, caro leitor, um século à frente, um pai, preparado para as perguntas que virão, decide fazer um city tour com seu filho para lhe mostrar as belezas de Porto Velho (imagino que daqui a cem anos tenhamos o quê admirar), e, por acaso, resolve levá-lo a uma região da cidade conhecida como “vale da morte”, uma espécie de museu a céu aberto da ignonímia humana.

Refiro-me, naturalmente, ao perímetro entre as duas obras.

Chegando ao primeiro destino, no trevo do Roque, o filho, entre a basbaque e a incredulidade, observando aquele monturo sob uma redoma de vidro, indaga seu genitor: - Pai, o que é esse monte disforme? - Filho, a história é longa, mas tentarei ser breve.

Pensativo e envergonhado, porém sentindo-se na obrigação de dizer a verdade, o homem começa a narrar: - Os nossos antepassados, lá pelo início do Século 21, não eram pessoas que podíamos admirar. Nossa sociedade era corrupta, sem freios morais, hedonista e inescrupulosa.

Os governantes de Porto Velho (do estado e do país), continua o pai, levados pelo espírito anti-republicano e de amor próprio, não tinham projetos para a cidade e muito menos para as gerações futuras.

Nossos políticos poucas vezes agiam por convicção, mas não raro por conveniências pessoais ou clânicas, nepotismo mesmo. Éramos incapazes de construir um simples elevado, que arrogantemente alguém chamou de... viaduto.

Como você sabe, filho, os romanos, dois mil anos antes, construíram grandes obras e enormes viadutos, mesmo com as limitações tecnológicas da época.      

O filho, ainda mais estupefato, pergunta: - Pai, a população não reagia?

- Esse é o outro lado triste, meu filho. O povo, impotencializado pela ignorância, assistia a tudo complacentemente, incapaz de se indignar. E o pior, baseado numa razão cínica, ainda reelegia contumazmente os mesmos surrupiadores dos cofres públicos.  

E os cidadãos que tinham mais consciência política e capacidade intelectual, não faziam nada? - Esses, filho, eram ainda mais alheios aos fatos, como se a omissão lhes tirasse o peso da culpa.

- Pai? - Finaliza o filho - como conseguimos melhorar, já que nossa cidade está bem mais bonita? - Ah, filho, essa é outra longa história. Mas não foi um milagre. Não foi um político messiânico ou um partido oportunista que reverteu a nossa vergonhosa situação.   

Aos poucos, continua o homem, nossos ascendentes descobriram que não se muda as estruturas de uma sociedade com mutirão cívico, com passeatas e revoltas espasmódicas, que ocorriam a cada década, como foi o caso das “Diretas já”, do “Fora Collor” e do movimento “Passe livre”.

Uma iluminada geração de líderes revolucionou a educação, não só universalizando-a, mas investindo pesadamente em sua qualidade, com professores recebendo salários dignos, à altura da nobreza da missão, além, é claro, de fortes investimentos em estruturas física e pedagógica.    

- E o resultado? - O resultado, meu filho, é que as próximas gerações, desde então, passaram a se autodeterminar, com consciência de cidadania e dever cívico, extirpando das fileiras políticas, com o voto, os escroques transvertidos de homens públicos.

Até a chega dos iluminados a quem me referi, filho, esse foi o único legado que as gerações anteriores nos deixou. - Qual pai? - Essa imagem bizarra que você está vendo nos ensina que num mundo de pessoas deseducadas e ignorantes, analfabetas mesmo, é impossível construir uma sociedade minimante justa, distributiva e sadia moralmente.

O autor é cidadão rondoniense.

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