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Os “Grampos” nos Presídios e a Inviolabilidade na Relação Preso e Advogado

Segunda-feira, 05 Julho de 2010 - 10:38 | Tadeu Fernandes


Os “Grampos” nos Presídios e a Inviolabilidade na Relação Preso e Advogado

O inquérito policial visa a colheita de provas para embasar eventual propositura de ação penal. Ocorre que, na fase inquisitorial se estabelece uma relação desigual, visto que durante a investigação policial o indiciado não pode apresentar defesa, o que será permitido apenas na fase judicial, após o oferecimento e recebimento da ação.
Apesar das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa estarem presentes apenas na fase judicial, o investigado também deve socorrer-se do auxílio de um profissional do direito durante a investigação policial, pessoa essencial para a garantia da legalidade na colheita das provas e para traçar a melhor estratégia da defesa futura.

Dito isso, causa-nos estranheza o que vem ocorrendo nos presídios federais, como a instalação de escutas para gravar conversas entre advogados e clientes, com a possibilidade da gravação ser feita antes mesmo da autorização da justiça. Os juízes têm o dever de, quando concedê-las, garantir a prevalência do sigilo profissional existente entre cliente e advogado, previsto na Constituição Federal, de acordo com interpretação extensiva ao inciso XII, art. 5º.  Se o diálogo for captado pelo aparato estatal certamente restará mitigado o direito de defesa, bem como o princípio de inocência do acusado.

O problema maior é permitir que primeiro se grave a conversa para posteriormente solicitar autorização da justiça. Infelizmente tal procedimento se dá em países onde impera o Estado autoritário.

O próprio código de processo penal prevê expressamente o sigilo das conversações entre o advogado e seu cliente, não podendo instalar-se equipamentos de áudio e vídeo nos locais onde os advogados se relacionam com seus constituintes. Nas penitenciárias federais já é comum que advogados e presos sejam separados por vidros blindados, sendo a conversa viabilizada através do telefone, já tendo sido detectada pelo menos uma escuta em Campo Grande/MS, fato este denunciado por alguns agentes penitenciários ao Conselho da OAB de Mato Grosso do Sul. Tais irregularidades foram objeto de divulgação pela internet.

Mesmo que atenda o serviço de inteligência dos presídios federais em caráter excepcional, o fato deverá ser objeto de análise mais profunda do Conselho Federal da OAB. Este monitoramento de presos e advogados pode desencadear um retrocesso das garantias fundamentais do cidadão.

Se houve gravação no presídio em Campo Grande é bem possível que outras unidades também utilizem o mesmo método, culminando com a falta de segurança jurídica, o que já aconteceu em 2004 e 2005, quando a Polícia Federal invadiu escritórios de advocacia e apreendeu documentos.

Havendo concessão autorizativa para escutas telefônicas de forma genérica, sem fundamentação ou especificação precisa dos limites da investigação, pode ensejar interpretações da autoridade policial como “carta branca” e possibilitar abusos.

Estas observações e os cuidados na preservação do sigilo entre os profissionais do direito e seus constituintes não se inferem como justificativa corporativa. O advogado que exorbita a imunidade profissional, atuando em defesa dos interesses do crime organizado, deve responder por seus atos criminosos.  Aquele que age contra a lei deve ser banido e punido pelo seu desvio de conduta.

Sendo a escuta telefônica um meio eficiente na colheita de provas, deve ser utilizada dentro dos mais rigorosos critérios, caso contrário, abre-se caminho para um Estado policialesco onde tudo se justifica.

A grande maioria dos profissionais que exercitam a advocacia são pessoas honradas e de boa conduta moral, não podendo ter cerceado o direito de contatar diretamente com seus clientes, sob o pretexto de atingir bandidos que se “disfarçam” de advogados. A Ordem dos Advogados do Brasil, com a prudência costumeira, deve se pronunciar com objetividade e firmeza para a preservação dos direitos fundamentais e para a garantia do exercício pleno da advocacia, função essencial à administração da justiça.

Tadeu Fernandes
Advogado

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