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Prisão após a segunda instância?

Quinta-feira, 22 Fevereiro de 2018 - 14:52 | por Daniel Ustárroz


Prisão após a segunda instância?

Pesquisa elaborada pelo Ministro Rogério Schietti, a partir da análise de quase 70.000 decisões, disponibilizada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ajudam a iluminar o debate em relação ao cumprimento de pena após a condenação criminal em segunda instância.

Efetivamente, em apenas 0,62% dos casos, as condenações impostas pelos Tribunais Inferiores são revertidas pelo STJ, resultando no reconhecimento da inocência dos réus pelo Poder Judiciário, ao final do processo. Em 1,02% dos casos, pessoas condenadas à pena de prisão conseguem substitui-la por medidas menos gravosas, como a prestação de serviços à comunidade. Em 0,76% das vezes, o STJ declarou a "prescrição", extinguindo os processos sem aferir a culpabilidade do cidadão. A diminuição da pena é mais frequente e é determinada em 6,44% das vezes, ao passo que a alteração do regime prisional é admitida em 4,57% dos casos.

Tentando ser didático, podemos sintetizar da seguinte forma os números apresentados: de cada 1000 condenados em segundo grau, pelo menos 130 pessoas, pela via do julgamento do STJ de Brasília, obtém resultados mais favoráveis, a partir do reconhecimento de uma alegada injustiça em seu julgamento pela segunda instância. Registre-se que esses dados não englobam a atuação do STF no julgamento de outros recursos.

Em séculos passados, seria natural que os iluministas bradassem pelos direitos individuais dessas pessoas e tentassem restringir/limitar a atuação estatal, especialmente nos casos que não envolvessem crimes violentos. Afinal, um dos legados do iluminismo ao Direito, foi a afirmação histórica dos direitos humanos e a contenção do exercício estatal. Os iluministas, cientes dos efeitos deletérios do cárcere (para o preso e para a sociedade), não estariam satisfeitos com os números atuais (quase 800.000 pessoas presas) e também alertariam a sociedade para o enorme custo econômico dessa realidade (em média, uma pessoa privada de liberdade gera uma despesa de R$ 2.400,00 ao mês, ao passo que um estudante do ensino médio demanda R$ 2.200,00). Como alertado pela Ministra Carmen Lúcia, “alguma coisa está errada na nossa Pátria amada.”

Curiosamente, por aqui, parece que a ala dita “socialista" está mais preocupada com as ameaças aos direitos individuais e mais desconfiada em relação ao arbítrio estatal. Já a dita "liberal", ao contrário, a pretexto de obter maior segurança postula maior intervenção estatal, dentro dos processos judiciais. Inverteram-se os polos. Agravante: raramente, por uma e outra “corrente”, são apresentados ou analisados estudos científicos para amparar qualquer crítica, pois isto demanda reflexão e tempo. No fim das contas, esse fenômeno é compreensível. Em um momento histórico de histeria (de "polarização"), parece ser demasiado pedir atenção à estatística ou a coerência ideológica. Para a maioria das pessoas, infelizmente, é melhor seguir em frente com uma simples afirmação, de preferência a mais singela possível ("Fora Dilma!", "Eleição sem Lula é golpe!", "a minha bandeira jamais será vermelha!", "nunca antes na história desse país...").

Ignora-se, assim, a complexidade de temas delicados e se evita a “vergonha” de reconhecer que, ao fim, inclusive nossos "adversários" tem parcela de razão. No fundo, não deveria haver vergonha no diálogo (e aprendizado) e muito menos nossos interlocutores deveriam ser considerados como antagonistas, dentro de uma sociedade dita plural.

* Daniel Ustárroz é professor de Direito na PUCRS e doutor em Direito pela UFRGS

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