Ivonete Gomes
Peixe político: tambaqui entra na mira de interesses que não pescam a verdade
Desinformação global pode causar o fim das exportações do pescado de Rondônia produzido em cativeiro
Terça-feira, 03 Junho de 2025 - 14:04 | Ivonete Gomes

A tentativa de incluir o tambaqui (Colossoma macropomum) na lista de espécies ameaçadas de extinção tem provocado reações duras do governador de Rondônia, Marcos Rocha, que vê na proposta um possível golpe comercial travestido de conservação ambiental.
O embate não é apenas técnico. Ele revela uma disputa maior entre conservacionismo e desenvolvimento regional, entre proteção ambiental e soberania produtiva, entre informação científica e interesses de mercado.

Ao contrário do que sugerem pesquisadores e segmentos ligados ao meio ambiente, que apontam declínio de estoques silvestres e ameaças aos habitats naturais, o governador defende que os dados estão sendo manipulados para prejudicar Rondônia, líder nacional na produção do tambaqui em cativeiro, com impactos diretos sobre o mercado interno, as exportações e a imagem do estado.
“Não aceito que transformem o tambaqui de Rondônia em peixe em extinção. Produzimos com qualidade, responsabilidade ambiental e sustentabilidade. Isso é uma tentativa de prejudicar a nossa economia e favorecer concorrentes”, disparou Marcos Rocha em vídeo publicado nas redes sociais.
A base da possível reclassificação da espécie como "vulnerável" vem de uma ficha técnica produzida por pesquisadores ligados a instituições do Amazonas, que apontam ausência de exemplares em certas bacias, escassez de juvenis e degradação de várzeas. No entanto, segundo o setor produtivo de Rondônia, essas informações não condizem com a realidade da piscicultura local.
Francisco Hidalgo, presidente da ACRIPAR e da Comissão Nacional de Aquicultura da CNA, aponta falta de isenção e viés técnico: “A ficha diz que não encontraram tambaqui em um determinado ponto do Amazonas. Ficamos muito preocupados. Agendamos reuniões com o Ibama, o Ministério da Pesca e outros pesquisadores, que já compreenderam que essa não é a realidade. Conseguimos apresentar contrapontos.
A Acripar realiza o repovoamento, soltando milhões de alevinos na bacia hidrográfica do Jamari, uma ação tão recorrente que nem é divulgada pela associação. “Fazemos isso porque sabemos que há ribeirinhos que dependem diretamente do tambaqui para sua subsistência. Está faltando tambaqui? Obviamente, não está."
Ele ainda alerta que casos semelhantes já ocorreram, como com o pirarucu, que foi incluído na lista de atenção e hoje enfrenta entraves para exportação, como necessidade de documentação especial do Ibama, criando burocracias que travam o comércio e desestimulam investimentos.
Os dados mais recentes reforçam o argumento em favor de Rondônia:
Rondônia é responsável por 37% da produção nacional de tambaqui em cativeiro, com mais de 56 mil toneladas anuais.
Em 2024, as exportações de tambaqui cresceram 809%, gerando R$ 3,5 milhões em divisas, com destaque para o Peru e os Estados Unidos.
O produto rondoniense foi premiado em Boston como “melhor novo produto” em evento internacional de frutos do mar.
Além disso, o tambaqui rondoniense é criado de forma sustentável, com rastreabilidade, certificações sanitárias e parcerias com Emater e Sebrae. O Estado conta ainda com programas de repovoamento natural e incentivo à pesca artesanal regulada.
Uma disputa de mercado
Para o governo de Rondônia e representantes do setor, a tentativa de classificar o tambaqui como espécie ameaçada não é apenas equivocada, é interessada. A tilápia, peixe exótico criado em larga escala no Sul e Sudeste, enfrenta forte concorrência do tambaqui no mercado nacional e internacional, principalmente em regiões tropicais onde este último tem desempenho superior.
O tambaqui tem melhor aproveitamento da carcaça, sabor diferenciado, ciclo eficiente e responde melhor ao clima da região. Isso incomoda quem lucra com a tilápia.
O risco da desinformação global
Um dos pontos mais sensíveis para o governador é o impacto dessa classificação na percepção internacional. Marcos Rocha teme que, caso o tambaqui seja reconhecido como ameaçado, as redes de supermercados internacionais parem de comprar o produto brasileiro, sem distinção entre o silvestre e o de cultivo.
“Se isso acontece, o mercado fecha. Ninguém quer vender peixe associado a desmatamento, mesmo que ele seja criado com responsabilidade. Estão colocando em risco a economia de milhares de famílias por causa de uma narrativa distorcida”, afirmou o governador.
O governo de Rondônia e seus produtores defendem que o tambaqui de cativeiro é um modelo de sucesso econômico e ambiental, enquanto alertam que a proposta de o inserir na lista de espécies em extinção é precipitada, parcial e economicamente desastrosa.
“Faltam dados confiáveis, sobram interesses e o prejuízo pode ser de todos nós”, conclui Marcos Rocha.