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Ivonete Gomes

Rebatizar para se apropriar: o ataque político ao programa Talentos do Futuro

Terça-feira, 20 Maio de 2025 - 11:10 | Ivonete Gomes


Rebatizar para se apropriar: o ataque político ao programa Talentos do Futuro

Uma denúncia feita pelo vereador Fernando Silva (Republicanos) escancarou uma prática preocupante que, infelizmente, tem se repetido na Câmara Municipal de Porto Velho: o atropelo do processo legislativo para atender interesses do Executivo. Segundo o parlamentar, havia a tentativa de colocar em votação, por requerimento, um projeto de lei que extingue o programa Talentos do Futuro para substituí-lo por outro com nome diferente, mas com o mesmo formato: o chamado “Criando Campeões”. A manobra dispensaria a análise pelas comissões permanentes da Casa, algo que fere frontalmente o Regimento Interno da Câmara e a própria lógica da separação de poderes.

O Talentos do Futuro é mais do que um nome ou um rótulo político. Trata-se de um programa de iniciação esportiva criado por servidores da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Semes), e transformado em política pública por meio de projeto de lei apresentado pelo ex-vereador Edésio Fernandes, falecido em 2021. Em respeito à sua memória e ao legado deixado, a iniciativa foi sancionada pelo então prefeito Hildon Chaves como homenagem póstuma.

Em 2017, o programa mal caminhava: apenas 176 crianças inscritas, sem controle adequado, sem uniformes e com estrutura precária. Em 2024, o cenário é outro: mais de 2.300 crianças e adolescentes participando, com sistema informatizado de matrícula, uniformes completos, lanche diário nos treinos, e presença nas regiões mais remotas, como Ponta do Abunã e Jaci-Paraná.

Apagar esse histórico com uma simples troca de nome é mais do que vaidade política, é desrespeito à memória institucional e, sobretudo, à comunidade beneficiada pelo programa. Pior ainda quando tal mudança vem acompanhada de interesses eleitorais explícitos: tudo indica que a reestruturação do programa tem como pano de fundo o lançamento da candidatura de Paulo Moraes, irmão do prefeito, à Assembleia Legislativa, que passará a controlar a pasta do esporte com a reorganização aprovada na Câmara em janeiro.

E aqui entra um ponto crucial: a tentativa de votar um projeto dessa natureza por requerimento, sem a análise técnica das comissões, não é apenas um desvio de procedimento; é um desvio de finalidade. As comissões existem justamente para garantir que projetos sejam examinados sob os aspectos legal, constitucional, orçamentário e de interesse público. Trata-se de um filtro essencial para proteger a sociedade de iniciativas apressadas, inconstitucionais ou marcadas por motivações pessoais.

Ignorar esse processo não é apenas uma infração regimental, mas um ataque direto à institucionalidade da Câmara. É o tipo de prática que transforma o Parlamento em cartório do Executivo, comprometendo a autonomia e a credibilidade do Poder Legislativo. Como lembrou o próprio vereador Fernando Silva, essa conduta pode ensejar representação ao Ministério Público.

Sedimentar uma política pública leva anos. Custam tempo, dinheiro, planejamento e, acima de tudo, confiança da população. Rasgar esse trabalho por birra política é um retrocesso inaceitável. Se há algo a ser criado, que se crie algo. Se há melhorias a serem feitas, que se discutam abertamente. Mas reescrever a história apenas para carimbar uma assinatura diferente em um programa que já funciona, e bem, é desonestidade administrativa disfarçada de gestão.

A cidade não precisa de campeões fabricados às pressas. Precisa de gestores que respeitem os talentos que já existem, e que construíram algo do qual Porto Velho pode se orgulhar.

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